Internacional

NATO

Que se lixe a NATO!

E de repente concordamos todos que os EUA são, de facto, imperialistas. Seria bom, se não fosse tão trágico, porque para chegarmos a este surpreendente consenso liberal, não bastaram intervenções estado-unidenses em 83 países do mundo que, desde 1948, causaram 26 milhões de mortes. Durante estes 77 anos, como os EUA eram os campeões da democracia e os líderes do mundo livre, foram convidados a construir mais de 40 bases militares no nosso continente. Foi preciso Trump ameaçar colonizar Gaza, comprar a Gronelândia, anexar o Canadá e chamar, tim-tim por tim-tim, fantoche a Zelensky para percebermos que afinal os comunistas não eram os maluquinhos na sala. O aborrecimento de ter razão é que agora somos um continente militarmente ocupado por mais de 100 000 tropas e armas nucleares e económica e politicamente acorrentados ao desígnio do fanfarrão de Washington.

A fanfarronice, de resto, sempre esteve lá. Trump apenas tirou a máscara e, de forma descarada, assumiu o projecto de ingerência na Ucrânia começado há pelo menos cinco administrações. Zelensky não começou a ser tratado como um fantoche quando foi humilhado publicamente na sala oval da Casa Branca. Desde 2014, os EUA despejaram na Ucrânia pelo menos 150 mil milhões de dólares, um número que, segundo Trump, pode ascender a 350 mil milhões — muito mais do que o PIB de Portugal — é o preço de comprar um país. Alguns ingénuos até podem ter acreditado que os EUA gastaram esta fortuna fabulosa por simples caridade ou amor à soberania alheia ou apego ao mítico «direito internacional», possivelmente os mesmos ingénuos que acreditaram nas armas de destruição maciça do Iraque, na Guerra pelos direitos humanos no Afeganistão ou na destruição da Líbia em nome da democracia. Mas agora podemos ver, em directo, Trump mandar calar Zelensky e dizer-lhe que deve entregar todos os seus recursos naturais. Na história da política externa dos EUA, quem aceita fazer o papel de porteiro musculado acaba sempre a servir de tapete de entrada.

Independentemente das proporções de cálculo e espontaneidade na já famosa conferência de Imprensa com Trump, Zelensky e Vance, os resultados são pragmáticos: Trump não abdica dos valiosos recursos minerais da Ucrânia — objectivo por ora adiado — e avisa que, daqui em diante, caberá à União Europeia pagar sozinha a conta da guerra contra a Rússia. Poderíamos chamar-lhe um negócio da China, mas é mesmo estado-unidense: o fanfarrão deu ordens aos países da UE para cortarem na saúde, na educação, nas pensões, nos salários, em todos os direitos, para poderem comprar mais armas… aos EUA.

Peter Hegseth, secretário da Defesa de Trump, foi muito claro: «Não haverá tropas americanas destacadas para a Ucrânia (…) a salvaguarda da segurança europeia deve ser uma prioridade para os membros europeus da NATO. Como parte disto, a Europa deve fornecer a maior parte do apoio letal e não letal à Ucrânia no futuro. (…) Isto significa: doar mais munições e equipamento. (…) E, mais importante ainda, ser francos com os vossos cidadãos sobre a ameaça que a Europa enfrenta. Parte disto passa por falar abertamente com os vossos povos sobre como esta ameaça só pode ser enfrentada através de um maior investimento na defesa. 2% não é suficiente; o Presidente Trump apelou a 5%, e eu concordo. (…) Além disso, enfrentamos um concorrente à nossa altura: o regime comunista chinês, que tem a capacidade e a intenção de ameaçar o nosso território e os nossos interesses estratégicos no Indo-Pacífico. Os EUA estão a dar prioridade à dissuasão de um conflito com a China no Pacífico, reconhecendo a nossa escassez de recursos». Por outras palavras, os EUA têm menos uma década para travar a ascensão da China antes de perderem definitivamente a hegemonia económica e financeira sobre o planeta. Trump pretende reorientar o azimute do imperialismo, com a totalidade dos seus recursos, contra a China, delegando à UE, o mesmo papel que em 2014 atribuíram à Ucrânia: fazer a guerra pelos EUA ou pela UE, empobrecer pelos EUA ou pela UE, morrer pelos EUA ou pela UE.

Se não exigirmos a saída de Portugal da NATO, arriscamo-nos seriamente a ver, daqui a poucos anos, os nossos filhos serem arrastados para uma qualquer guerra espúria, em terras distantes, em nome do desgaste estratégico da Rússia. Chegou a hora de dizermos que não podem contar connosco para, como ameaçou Gouveia e Melo, «irmos morrer quando e onde nos mandarem morrer» nem para, como ameaça Trump «gastar 5% do orçamento a bem ou gastar 5% do orçamento a mal». Sair da NATO já não é somente a forma mais directa de cumprir a obrigação constitucional de dissolução dos blocos político-militares, é a única forma de não sermos engolidos pelas guerras dos ricos. A nossa permanência na NATO é uma herança do fascismo sem qualquer legitimidade democrática — os compromissos assumidos por Salazar não são nossos. No contexto actual, marcado pela chantagem aberta sobre os Estados-membros, pelo completo desnorte estratégico e pelas visíveis contradições entre interesses europeus e estado-unidenses, fica claro que a NATO só serve para empobrecer quem trabalha e para os bilionários brincarem às guerras. Neste quadro, é urgente afirmar a nossa soberania perante o Euro e afirmar sem tibieza «Portugal fora da NATO, já!»

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