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América Latina

América Latina: um continente na encruzilhada

Venezuela

Há 20 anos, a eleição de Hugo Chávez na Venezuela deu início a uma era de avanços sociais em toda a América Latina: milhões saíram da pobreza e receberam educação, saúde e habitação, em processos de emancipação social e económica. A virada conservadora em países como o Brasil, Argentina e Colômbia, e uma potencial intervenção na Venezuela, podem vir a pôr estes avanços em risco.

Uma eventual intervenção militar na Venezuela, ou a potencial queda do governo chavista de Nicolás Maduro, poderão significar o fim de uma era de progressos sociais e de desenvolvimento humano sem precedentes na América Latina, desde o fim da Guerra Fria.

Essa mudança, a que especialistas chamaram de “onda rosa” (pink tide), engoliu o continente com a eleição de Hugo Chávez nas presidenciais na Venezuela, em 1998. Como na velha teoria do dominó de Truman, mas agora no reverso dessa medalha, à vitória de Chávez seguiram-se várias viradas, mais ou menos vermelhas, para governos democráticos e progressistas de esquerda por todo o continente: Lula da Silva e Dilma Rousseff, no Brasil (2002-2018, mandato impugnado em 2016); Evo Morales na Bolívia (2006-presente); Nestor Kirchner e Cristina Kirchner na Argentina (2003-2015); Tabaré Vazquéz e José Mujica no Uruguai (2005-presente), Daniel Ortega na Nicarágua (2006-presente); Ricardo Lagos e Michelle Bachelet no Chile (2000-2010 e 2014-2018); Rafael Correa no Equador (2007-2017), Mauricio Funes e Salvador Sánchez Cerén em El Salvador (2009-presente) e Nicanor Duarte e Fernando Lugo no Paraguai (2003-2012).

Esta viragem não foi coincidência: cada um à sua maneira, estes líderes perceberam que a nova ordem neo-liberal imposta pelas regras da Escola de Chicago e a sua “doutrina de choque”, pela dupla Reagan/Thatcher na década de 80 – e a famosa sentença “não há alternativa” à globalização –, de desmantelamento dos Estados em favor do mercado livre, na transição e nas amnistias das várias ditaduras militares para democracias liberais nos anos 80 e 90, sempre sob a esfera política e influência económica de Washington e do sistema global de capitalismo financeiro, não trouxeram mudanças significativas na distribuição da prosperidade num continente rico e dependente da exploração de recursos naturais.

Apesar de inúmeras tentativas, durante o século XX, de implementação de regimes progressistas na América Latina que fossem duradouros (quer democraticamente, quer evitando intervenções norte-americanas), a verdade é que para milhões de latino-americanos, sobretudo pobres, índios, negros, crianças e mulheres, só no início do século XXI, e na sequência da Revolução Bolivariana na Venezuela iniciada por Chávez, houve um verdadeiro processo de emancipação e descolonização.

Números que impressionam

Numa entrevista à revista inglesa marxista New Left Review em 2012, Rafael Correa fazia o balanço do seu primeiro mandato explicando como um país como o Equador, não tendo a dimensão ou recursos de outros gigantes, como o Brasil, Venezuela, Colômbia ou Argentina, teria de adoptar uma “mudança rápida e radical das estruturas existentes na sociedade, de forma a transformar o estado burguês num estado profundamente popular”. Tal como os países mais poderosos, também o Equador tinha sucumbido nos anos 80 e 90 ao poder das elites tecnocratas educadas em universidades europeias e norte-americanas. Estas traziam as doutrinas de Washington e impunham-nas em estados que se tornavam dependentes de empréstimos onerosos com o FMI e o Banco Mundial (BM), forçados a um modelo económico que não acompanhava o desenvolvimento humano, à mercê da competição, do mercado livre e das oscilações monetárias, dependentes da dolarização da economia e sem soberania financeira. “Se a América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo, os países andinos são a parte mais desigual dessa região. (…) De que livre competição estavam a falar? Aquilo era um massacre”, conta. Correa tomou quatro medidas-chave: adoptou um sistema de impostos sobre os mais ricos usando a colecta para beneficiar os mais pobres em programas de educação e saúde, tornando-os gratuitos e universais; regularizou o mercado interno, deixando o mercado livre funcionar, mas garantindo a distribuição subsidiada de bens básicos para a população; redistribuiu dividendos do petróleo e renegociou contratos com companhias internacionais; e subiu o salário mínimo. “Neste país, se alguém propõe subir o salário mínimo uns dólares é chamado de demagogo ou populista, mas nunca ninguém se surpreendeu com as taxas de juro a 24 ou 45%”, defendeu.

As medidas de Correa não diferem das misiones de Chávez ou das bolsas de Lula para retirar milhões da pobreza. O Equador, normalmente um país esquecido na lista dos grandes latino-americanos, pode servir como exemplo para as mudanças continentais nas últimas décadas. Os dados são do insuspeito Banco Mundial e mostram o salto qualitativo entre 1990 e a década de 2000. População que vive com 1.90$/dia: 17.6% (1990), 3.6% (2017); índice de riqueza partilhada pelos mais pobres: subiu de 3% para 4.7%; esperança média de vida: 69 anos (1990), 76 (2017). Nascimentos acompanhados de médico: 61% (1990), 97% (2017). Mortalidade infantil/mil nascimentos: de 54% para 15%; índice de crescimento de acesso ao ensino secundário: 58% (1990) para 107% (2017).

Quando Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia, em 2006, este era o país mais pobre da América Latina, com a maior taxa de analfabetismo do continente (16%) e, no entanto, dos mais ricos em recursos naturais e dependente de exportações de gás, sem benefícios visíveis para a maioria da população. Em 2009, com o apoio das missões de alfabetização cubanas, a UNESCO declarou a Bolívia território livre de analfabetismo. Com o apoio de Cuba e da Venezuela, milhares de bolivianos receberam gratuitamente atenção médica e educação secundária e superior. Os dados do BM para a Bolívia nos últimos 20 anos são surpreendentes: nascimentos acompanhados de médico: 42% (1990), 90% (2017); mortalidade infantil/mil nascimentos: 124 crianças (1990) e 35 (2017); crianças vacinadas: 53% (1990) e 83% (2017). Em 2014, o governo abriu 20 hospitais e os cuidados médicos básicos estão agora garantidos a toda a população até aos 25 anos. O sistema médico boliviano, à semelhança do cubano, harmoniza ensino e prática da medicina ocidental com medicina e práticas tradicionais indígenas.

Os governos de Chávez, Morales e de Lula também tiveram um impacto significativo nas populações indígenas. As revisões constitucionais (na Venezuela e na Bolívia) contemplaram as comunidades indígenas, reconhecendo-lhes estatutos jurídicos e de cidadania, demarcações territoriais (Venezuela e Brasil), introduzindo as suas línguas em documentos oficiais (Bolívia), instituindo bolsas de acesso ao ensino secundário e superior (Bolívia). Estes processos, semelhantes ao ProUni no Brasil (que permitiu que um número significativo de afro-brasileiros acedesse à universidade), foram verdadeiramente progressistas na integração de populações sistematicamente excluídas dos processos de construção destas nações latino-americanas, desde os tempos coloniais, profundamente enraizadas num “sistema de castas”, classista e racista que despojou os indígenas e os negros de direitos humanos fundamentais. 

Os avanços sociais deram-se até em índices de participação democrática. Na Venezuela, em 1998, só 42.50% da população podia votar. No entanto, Chávez criou a Misión Identidad para reconhecer imigrantes “ilegais” no território e sectores populares e indígenas que não existiam juridicamente no estado de direito venezuelano: não tinham papéis, não eram cidadãos. Em 2015, 61% da população estava registada. (fonte: IFES Ellection Guide) Muitas vezes se fala na forma como Chávez subverteu a democracia na Venezuela, mas é importante recordar que tipo democracia participativa existia na Venezuela antes do Chavismo e quem é que ia às urnas votar em quem.

Cuba reencontra o continente

Já nos anos 90, Cuba tinha indicadores de desenvolvimento muito acima da maioria dos países vizinhos: vacinação (94% da população), acesso à educação primária (99.7%), mortalidade infantil (13/mil nascimentos) – dados de 1990 (BM). Números de 2017 mostram a evolução: vacinação 99%; mortalidade infantil: 5/mil nascimentos (valor mais baixo do que dos EUA, por exemplo: 7/mil).

O colapso do campo soviético, contudo, mergulhou o país numa crise sem precedentes a que se chamou “período especial”. Ao contrário dos países do ex-COMECON (Conselho para a Assistência Económica Mútua entre URSS e Leste europeu) que pediram empréstimos ao FMI, BM e Banco Europeu, as duríssimas sanções dos EUA impostas pelo bloqueio de 1962, reforçadas pelo Acto Helms-Burton de 1996 (assinado por Clinton), e a impossibilidade de aceder a créditos e capitais internacionais empurraram a economia cubana para a asfixia: entre 1990 e 1993, as exportações caíram 79% (5.4mil milhões de dólares para 1.2 mil milhões). Cuba teve de se readaptar, dolarizar a economia, abrir-se ao investimento estrangeiro, sobretudo no turismo. A nível social, 1990-1996 foram anos terríveis: estão na memória de muitos as imagens de milhares de cubanos que migraram em balsas em direcção aos EUA.

Após a eleição de Chávez em 1998, mas sobretudo após o fracasso do golpe de estado apoiado pelos EUA na Venezuela em 2002, as relações entre Fidel e Chávez estreitaram-se: entre 1990 e 2017, o PIB per capita cubano evoluiu de 28.65 mil milhões de dólares para 96.85 mil milhões (BM). Muito desse crescimento dependeu das parcerias com a Venezuela, sobretudo com a aliança Petrocaribe, que distribuía petróleo a países aliados a preços preferenciais. No caso de Cuba, a troca foi feita por médicos e professores para as missões como Barrio Adentro (médicos cubanos colocados em zonas desfavorecidas ou remotas da Venezuela).

A Revolução Bolivariana permitiu que Cuba se reencontrasse com o continente, re-activando o papel que tinha tido durante a Guerra Fria, quando a pequena ilha no Caribe tentava exportar a sua revolução com o apoio a insurreições guerrilheiras. Isto aconteceu sobretudo em países que, após 1959, ano do triunfo da revolução cubana, tinham entretanto caído em ditaduras militares apoiadas pelos EUA. Só que com o assassinato de Che Guevara na Bolívia (1967), e com o golpe de estado no Chile e a morte de Salvador Allende (1973), Cuba, ainda que participando em acções isoladas de guerrilha ou processos revolucionários (como na Nicarágua em 1979), ficou profundamente dependente da URSS, virando a sua política externa para África ou para o Leste europeu, afastando-se da América Latina.

Uma eventual intervenção na Venezuela ou o fim do governo de Nicolás Maduro poderão pôr em risco muitos dos indicadores de desenvolvimento humano atingidos nos últimos 20 anos na América Latina. A nova “onda azul” de regimes conservadores (como o de Macri, presidente da Argentina desde 2015, já sob a maior intervenção do FMI de que há memória, 15 anos depois da crise de 2001) ou proto-fascistas (como o de Bolsonaro no Brasil) vem aliada de uma retórica de ódio aos mais pobres e indígenas, que conseguiram acesso à educação, saúde e habitação, e de uma nova estratégia de vassalagem à política externa norte-americana na corrida aos últimos recursos naturais do planeta.

Manifestação nacional 

a 23 de março, em Lisboa

De acordo com a página AbrilAbril, sindicatos de professores anunciaram que vão realizar uma manifestação nacional a 23 de março, em Lisboa, para exigir a recuperação de todo o tempo de serviço congelado. A decisão foi anunciada depois de uma reunião da ampla frente sindical, que reúne dez estruturas sindicais, entre as quais a Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN) e a Federação Nacional da Educação (FNE/UGT).

No dia 7, os sindicatos vão entregar à presidência da Assembleia da República e aos grupos parlamentares uma petição com mais de 60 mil assinaturas. De 11 a 20 de março, os professores serão chamados a uma consulta, promovida pelos seus sindicatos, sobre as formas de luta a concretizar no 3.º período.

A última reunião realizada com os representantes do Ministério da Educação, que o governo foi obrigado a realizar pela Assembleia da República, acabou sem acordo, com as estruturas sindicais a afirmar que esbarraram num “muro de intransigência”.

“Rigorosamente igual, sem mudar uma vírgula” foram as palavras escolhidas por Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, para descrever a posição do Governo.

“É um problema sério e grave, porque o governo de Portugal, do PS, insiste em desrespeitar a lei, está a criar uma discriminação intolerável entre os professores do continente e os das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, e a tentar apagar os anos de serviço que os professores trabalharam com os seus alunos nas escolas”, afirmou.

Em causa está a intransigência do executivo e a sua intenção em apagar cerca de 70% do tempo de serviço congelado, insistindo nos dois anos e dez meses, uma perda que, para os professores, é “inaceitável”. Estes exigem a contagem dos mais de nove anos, de forma faseada, seguindo a resolução aprovada na Assembleia da República, que recomenda a contabilização de todo o tempo de serviço congelado nas carreiras da Administração Pública, estando também prevista no Orçamento do Estado para 2019.

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