A primeira ocupação aconteceu, segundo José Soeiro, no livro “Reforma Agrária, A Revolução no Alentejo”, a 10 de dezembro de 1974. Dois meses depois, os terrenos ocupados só no distrito de Beja equivaliam já a cerca de 10.541 campos de futebol. A 26 de janeiro de 1975, delegados sindicais da mesma região anunciavam o “início imediato da reforma agrária” com o “controlo pelos trabalhadores de todas as propriedades em regime de subaproveitamento total ou parcial”. No mês seguinte, em Évora, o PCP, a principal força política no Alentejo, fazia a I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, onde Álvaro Cunhal, líder histórico dos comunistas, proclamou que a “entrega da terra a quem a trabalha significa a própria vida”. Em abril, o Conselho da Revolução, institucionalizava a coletivização das terras através de um decreto-lei que plasmava o Programa da Reforma Agrária. Imediatamente a seguir ao 25 de Novembro de 1975, as forças contrárias ao processo não conseguiram evitar que a Constituição da República Portuguesa apontasse a reforma agrária como “um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista”.
Há 10 anos, A Voz do Operário juntou, em Montemor-o-Novo, alguns dos protagonistas deste processo, nenhum deles já vivo, numa conversa que decorreu à volta da “mais bela conquista da Revolução”, como lhe chamou Álvaro Cunhal. Para Manuel Vicente, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Évora durante a reforma agrária, esta conquista resultara “de uma série de lutas de resistência dos próprios trabalhadores agrícolas” e traduzia “a necessidade de acabar com a repressão, o medo e a exploração”. Já António Gervásio, dirigente do PCP na época, explicou que os trabalhadores não queriam a terra para si. “Uma das questões fulcrais era a concentração e posse da propriedade face ao proletariado agrícola que não tinha senão a sua força de trabalho”, recordou. “Muitos nem um quintal tinham. O trabalhador agrícola dos campos do Sul não queria a terra para ser um pequeno agricultor. Queria ser operário. Queria a terra para a trabalhar e não para ficar com ela. Este foi o baluarte da resistência antifascista”.
Mas a reforma agrária não foi um processo simples. De acordo com António Gervásio, em 1974, os proprietários das terras despediram os trabalhadores depois de rejeitarem os contratos coletivos de trabalho, fruto da revolução. “Começaram a fazer ações de sabotagem. Deixaram o gado morrer à fome e à sede, destruíram as culturas e esvaziaram as barragens. Inclusive, fugiram com gado e máquinas para Espanha e para o Norte”, lembrou.
De acordo com números indicados por António Gervásio, quando se realizou a I Conferência da Reforma Agrária, em outubro de 1976, a área semeada aumentara 139%, o gado 112%, as máquinas e alfaias 169% e a área de regadio 126%.
Com António Barreto à frente do Ministério da Agricultura e Mário Soares como primeiro-ministro, começam os ataques à reforma agrária. “Oito anos depois dos primeiros ataques, tinham roubado 700 mil hectares de terra, descaracterizaram as terras, roubaram cortiça e 122 mil máquinas e alfaias agrícolas. Destruíram 220 Unidades Coletivas de Produção e assassinaram o Casquinha e o Caravela”, denunciou António Gervásio.
Para Manuel Vicente, as terras não tinham sido ocupadas para substituir agrários por agrários. “A terra tem uma função social e só a cumpre com as mãos de quem a trabalha. Esse ensinamento é uma das heranças da reforma agrária. Devemos defender uma nova reforma agrária porque a terra deve ser de quem trabalha”, garantiu. Olhando para os campos do Alentejo, em 2015, o histórico sindicalista lamentou as terras abandonadas. “E nós a comer o que vem do estrangeiro. Se nos fecharem as fronteiras, só podemos comer mato e silvas”.