Já não há velhos no jardim do meu bairro. Foi o vírus e o frio que os espantaram.

Vem, pois, da memória a imagem que então me encantava: havia aqueles que lá iam para apanhar sol e se quedavam sentados num banco, o queixo apoiado na bengala e se limitavam a olhar à volta e com isso se sentiam vivos; havia os que se sentavam nas mesas que lá há e jogavam às cartas, rodeados por uns quantos interessados mas que, fiéis a um princípio ético, implícito, comentavam sem interferirem no jogo; e havia ainda, talvez o grupo mais numeroso, aqueles que se juntavam para conversar e comentar acontecimentos que tanto podiam  ser de caráter futebolístico, mundano ou político. 

Hoje nada disto acontece e ousa-se perguntar como será em meados de 2021 quando, assim se espera, o vírus for excomungado, mandado para as profundezas do inferno, nos deixe em paz e os velhos do jardim do meu bairro voltarem a conviver, sejam os mesmos ou mais aqueles que se lhes juntarem. 

Porque a velhice compara-se bem aos alcatruzes de uma nora – há sempre os que vão chegando e há sempre aqueles que vão desaparecendo… e isso põe-nos a adivinhar como serão os novos velhos do século XXI, no período pós-pandemia, que substituirão os velhos que há tempos se reuniam no jardim do meu bairro.

É muito provável que já não sejam os mesmos e é quase certo que os novos velhos terão hábitos e comportamentos diferentes dos velhos de hoje – já não jogarão às cartas, nem à bisca lambida, nem à sueca, nem ao sete-e-meio, nem a qualquer outro jogo, é até provável que não se juntem, nem conversem ou simplesmente olhem e vejam o que se passa à sua volta. Quase certo é que a solidão virá ter com eles e passarão dias ausentes de si próprios a olharem sem verem o que passa na televisão ou mergulhados em qualquer dos outros instrumentos (sem dúvida maravilhosos) que lhes fornecerão divertimento, informação e cultura já digerida ou semi-digerida como a papa que os alimentará.

Uma coisa é certa: a situação atual pode ser ponto de partida para a configuração de uma nova política pública para a velhice, porque se assim não for, maior será o número do que, hoje novos, quando forem velhos estarão mudos, quedos, sozinhos, sem nem sequer olharem à volta a mandar e receber mensagens estereotipadas ou notícias enlatadas.

Excluindo aqueles a quem a doença limita, por não andarem, por não ouvirem, por não verem ou porque se lhe emperra o pensamento e não conseguindo totalmente superar essas limitações, o potencial de participação de todos os velhos é considerável e muito mais poderá ser se for implementado e isto sem recorrer à excepcionalidade de Beethoven, que no final da sua vida era surdo e ainda compunha, Helen Keller, que cega desde criança, chegou onde chegou ou de Stephen Hawking, cosmólogo, que ficou velho, cinquenta anos antes de morrer e sempre trabalhou e foi útil na difusão do conhecimento.

Por isso aqui se ousa afirmar que a velhice se deverá começar a preparar no jardim de infância pois é então que lançam as sementes pelo gosto da vida, o saber ler, o saber ouvir todos os outros e a música, o saber desenhar que é forma universal de comunicar, o conhecer as potencialidades expressivas do nosso corpo, o dançar ou apreciar a dança.

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