Opinião

A Voz do Corvo

…o questionário de Proust

O questionário de Proust é um conjunto de perguntas a que o filósofo e escritor francês Marcel Proust (1871-1922) respondeu e que, depois, publicadas nas suas memórias, passaram a ser por muitos interpretativas do caráter e do estado de alma de quem responde às perguntas.

Com uma frequência quase regular e especialmente quando chega o Verão, sabe-se lá porquê, há sempre um jornal ou uma revista que faz renascer o questionário de Proust e entrevista alguém que o mundanismo colocou em destaque.

Resolveu o CORVO, tido por pássaro astuto e palrador, ser ele, desta vez, a fazer não as 25 perguntas que tornariam esta crónica longa e enfadonha, mas tão somente aquelas suficientes para definir o estado de alma de alguém que não fosse rico ou elegante mas do Zé Ninguém, que encontrou ao lusco-fusco numa estrada, entre casas e barracas de um bairro que agora chamam “de génese ilegal”.

Diga-nos, senhor Zé Ninguém: Qual é a sua ideia de felicidade perfeita? Ter uma casa. Qual é o seu maior medo? Ser despejado e ir para “sem-abrigo”. Qual é o seu estado de espírito neste momento? Eu queria era ter uma casa. Em que ocasiões mente? Com a vida que levo, nem oportunidades tenho para mentir. O que menos gosta na sua aparência física? Eu gostava de ter uma casa, com casa de banho e tudo. Entre as pessoas vivas qual é a que mais despreza? Desprezo o dono do buraco onde vivo cada vez que me leva a renda que lhe pago, mas agora pergunto eu – para onde é que vou se não lhe pagar? Que palavra ou frase diz com maior frequência? Raios partam a vida… O quê ou quem é o maior amor da sua vida? Eu gostava era de ter uma casa para mim e para a minha família. Se pudesse mudar alguma coisa em si o que seria? Em mim não mudaria nada, eu queria era mudar de casa. Se houvesse vida depois da morte, quem ou o quê gostaria de ser? Eu gostava era de viver agora numa casa nova. Onde prefere morar? Está a gozar comigo? Numa casa, perto do sítio onde trabalho, com cozinha e casa de banho e onde não haja nem ratos nem baratas. Qual o seu maior tesouro? É a minha família, não tenho é onde guardá-lo, eu gostava era de ter uma casa. O que considera o cúmulo da miséria? Trabalharmos dia e noite, eu e a minha mulher, e com o que ganhamos não ter dinheiro para ter uma casa onde coubesse toda a minha família e como deve de ser. Qual é a sua ocupação favorita? … Quais são os seus autores favoritos? … Com que figura histórica mais se identifica? … Quem são os seus heróis da vida real? … Qual o seu maior arrependimento? O meu maior arrependimento não é meu, é do meu pai – não ter aproveitado a oportunidade ou não o terem deixado aproveitar a oportunidade de ter uma casa quando nas ruas se gritava “casas sim, barracas não!”. Como gostaria de morrer? Velhinho, na cama, numa casa onde não chovesse…

Artigos Relacionados