Opinião

A desqualificação, pela ideologia neoliberal, dos trabalhadores e da sua luta

Num recente artigo de opinião, foi escrito o seguinte “O eleitorado português abandonou a luta de classes, ninguém se afirma trabalhador, quase toda a gente é da classe média, mesmo os que recebem subsídios rejeitam a consideração imagética de pobre ou de desprotegido”.

Num único parágrafo o autor consegue condensar tudo o que a ideologia neoliberal nos quer impingir, menorizando o papel dos trabalhadores e da sua luta.

Estas ideias são-nos apresentadas como verdades absolutas, esperando que uma mentira sucessivamente repetida venha a ser tida como verdade.

Mas vamos à primeira parte do parágrafo “O eleitorado português abandonou a luta de classes”.

Ora nada mais falso, por muito que a queiram ocultar, a luta de classes é objetiva, intrínseca à existência da exploração. Está na génese do sistema capitalista. Por mais que decretem o seu fim, ela só terminará quando se alterarem as relações de produção, de modo a que esta esteja ao serviço de todos.

Mas para os ideólogos neoliberais a realidade é uma chatice, que teima em sobrepor-se às suas teorias e não conseguem esconder que à obtenção de lucros astronómicos por parte de uns tantos, se contrapõe o crescente número de pessoas que veem as suas condições de vida agravadas, com grande dificuldade no acesso aos bens mais básicos.

Aí estão as estatísticas que registam um grande agravamento das desigualdades, com o aumento do número de pobres bem como dos que se encontram no limiar da pobreza. 

Sim, esta realidade demonstra o acentuar da exploração. Como os trabalhadores e o povo não se contentam com esta situação, antes a contestam das mais variadas formas, aí está a luta de classes, que é travada diariamente, não só na luta dos trabalhadores por melhores salários e condições de trabalho, mas também no protesto contra o aumento do custo de vida, na reivindicação de um melhor serviço público ou ainda na indignação contra as crescentes desigualdades. Sim, o objetivo último da luta de classes é a abolição da exploração, o que só será atingido com a transformação da sociedade. Mas para isso todas as lutas contam.

O articulista coloca uma nuance ao dizer “abandonou”, admitindo assim que a luta de classes já existiu e deixou de ser travada, o que nos levaria a questionar, porquê? Será que ultimamente ocorreu em Portugal alguma alteração substancial que levasse ao abandono da luta de classes? Claro que não.

A segunda parte da frase “ninguém se afirma trabalhador” é outra redonda mentira, traduzindo a vontade do grande capital, que pretende veicular o falso estatuto de “colaborador”.

Esta atribuição não é apenas uma questão de semântica. Por um lado, pretende-se ocultar a dicotomia entre capital e trabalho (exploradores e explorados) e por outro desprestigiar o trabalho, desqualificando a sua função exclusiva de criação de riqueza. Não. Ao contrário do propalado, os trabalhadores não só se afirmam enquanto tal, como têm orgulho nisso. Nada pode ser mais digno do que ser trabalhador. 

Aliás, a falsidade desta afirmação é a coisa mais fácil de comprovar. Garanto que até hoje nunca ouvi ninguém dizer “eu colaboro na empresa tal” mas sim “eu trabalho na …”.

Por último, “quase toda a gente é da classe média, mesmo os que recebem subsídios rejeitam a consideração imagética de pobre ou de desprotegido” tem igualmente muito que se lhe diga.

Sempre soubemos que esta estratificação da sociedade é puramente artificial e serve no fundo para incluir toda a gente na chamada “classe média”, na mesma linha da teoria do “estamos todos no mesmo barco”, como se afinal não houvesse ricos nem pobres, sendo todos “remediados”. Não é por acaso que quando falam em classe média nunca a delimitam (por exemplo, em função do rendimento anual). Para haver uma classe média, é porque há uma alta e uma baixa, mas sendo esta classificação um embuste, nestas não falam.

A realidade mostra que as desigualdades se agravam e que a verdadeira divisão é entre exploradores e explorados, entre o trabalho que cria a riqueza e o capital que dela se apropria.

Há 14 décadas, A Voz do Operário surgiu no seio da luta contra a exploração. Embora noutras circunstâncias, mantêm-se as razões dessa luta, que diariamente é travada pelos trabalhadores e por todos os que anseiam uma sociedade mais justa.

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