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Memória

100 anos da sede d’A Voz do Operário, expoente de património associativo

“A preocupação de proteger e estudar o património industrial é muito recente”, diz o Ministério da Cultura. Mas apresenta já uma rota nacional com 23 locais.

A sede da A Voz do Operário no dia em que foi inaugurada, em 1922.

I


Fala-se menos, mas existe também o património comercial. Com edifícios que foram construídos de raiz ou profundamente remodelados para funcionarem como espaços comerciais. São exemplos, em Lisboa, os edifícios dos «Armazéns Grandella» ou da «Loja do Povo» (em Alcântara), entre outros.

Em Coimbra, o edifício da antiga sucursal dos «Armazéns do Chiado» foi musealizado pelo município. Defende-se o seu valor histórico, considerando que se tratou do “primeiro “centro comercial” da cidade” e que “introduziu um novo modelo de consumo, de progresso e modernidade que ficou marcado e materializado na tipologia arquitectónica”, segundo explica Raquel Magalhães, da Divisão Municipal de Museologia [na página da Universidade de Coimbra).

Noutra vertente de património comercial, o Museu do Trabalho, em Setúbal, recria, numa das suas exposições permanentes, o cenário interior de uma antiga mercearia de Lisboa. Com o respectivo mobiliário e equipamento.

II

Pois também existe o «património associativo». Com edíficos construídos de raiz ou profundamente remodelados para servir como sede de uma associação, nomeadamente de cariz popular e operário.

Em Portugal, a sede da A Voz do Operário é um expoente deste outro tipo de património. Está aliás classificada como “Monumento de Interesse Público”. O autor do seu projecto era um dos mais renomados arquitetos portugueses à época: Manuel Joaquim Norte Júnior (1878-1962).

Logo aqui em frente, bem do outro lado da rua, está a sede (ainda mais antiga) da cooperativa Caixa Económica Operária.

Na cidade de Lisboa há outros casos significativos. Como a Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Comércio e Indústria, na Rua da Palma (também projectada por Norte Júnior).

Ou a Cooperativa A Padaria do Povo, no bairro de Campo de Ourique. Edifício onde também funcionou a Universidade Popular Portuguesa.

Ou a antiga «Tuna Comercial de Lisboa», à Praça das Flores. É o edifício onde depois passou a funcionar o «Ritz Club» mas conserva a identificação original, no cimo da sua fachada.

Há que valorizar, “proteger e estudar” este património.

O arquiteto Norte Júnior, autor do projeto da sede d’A Voz do Operário.

III

O último dia deste ano de 2022 será o centenário da sede da A Voz do Operário.

Foi inaugurada no dia 31 de Dezembro de 1922. Dos discursos então proferidos, salientamos o de João Rodrigues Cassão, operário tabaqueiro e um dos mais destacados sindicalistas deste sector profissional.

Segundo uma reportagem à época, Rodrigues Cassão traçou “a história da Voz do Operário, descrevendo o seu início, as fases da sua evolução, a grandiosidade da obra realizada, os intuitos e os sacrifícios de que ela nasceu e que a fizeram frutificar, tornando-a um maravilhoso exemplo do que pode a vontade perseverante ao serviço de um ideal de solidariedade e de bondade”.

Outro orador, Júdice Biker, “ocupando-se do sentido doutrinário daquela obra, disse que ela teve o seu germen nas teorias de Karl Marx, que José Fontana trouxe a Portugal e que um grupo de manipuladores de tabaco transformou em realização prática”.

Nesse dia de inauguração, “os visitantes, acompanhados pela direção da Sociedade, percorreram as dependências do edifício, o qual se encontrava todo embandeirado”. Houve uma sessão solene, que já se realizou no “salão principal, vasto compartimento, podendo abrigar alguns milhares de pessoas, e que se encontrava artísticamente ornamentado, tendo ao topo um estrado armado para a mesa e oradores”. Participaram “alunos dos colégios da Voz do Operário, muitos convidados e a Tuna Recreativa Tondelense, que abrilhantou a festa, enchendo o restante espaço uma enorme quantidade de povo”.

A mesma reportagem descreveu que “a magestosa construção, embora ainda incompleta”, apresentava já “um aspecto imponente, obedecendo o seu plano a um critério moderno, de estética e de utilidade, o que foi reconhecido com louvor por todos os presentes” [O Século, 01/01/1923, p.2].

Outro jornal da época, anunciava que “no novo edifício passam já a funcionar as escolas privativas da Sociedade, sendo as salas a esse fim destinadas, amplas, cheias de luz” [A Capital, 30.12.1922, p.2].

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