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EUA vs. Venezuela entre a tragédia e a farsa

Incessante desde que, em 1999, Hugo Chávez iniciou o processo revolucionário na Venezuela, reduzindo, em apenas uma década, para metade a percentagem da população em situação de pobreza, a intervenção norte-americana nos destinos do país exprime-se, nos últimos dois meses, pelo estacionamento de uma esquadra da marinha dos Estados Unidos da América (EUA) no mar das Caraíbas e no Atlântico, ao largo da Venezuela.

Diversas embarcações civis têm sido atacadas e destruídas sob a forma de execuções extra-judiciais, pelos militares norte-americanos, sob o pretexto de que se trata de operações de combate ao narcotráfico, provocando, até ao momento mais de seis dezenas de mortos. Sem a exibição de qualquer prova, os EUA estenderam também ao pacífico oriental a sua operação, ao largo da Colômbia, outra nação que se recusa a submeter-se aos ditames políticos e a abrir as portas dos seus recursos naturais aos interesses da Casa Branca e das grandes transnacionais norte-americanas.

Com as maiores reservas petrolíferas estimadas no mundo, a Venezuela constitui um caso extremo de despudor da política do império para se apropriar desse e doutros recursos naturais da nação sul-americana. Num exercício de especial cinismo, Obama emitiu uma nota em que considerava a Venezuela uma “especial ameaça” contra a segurança dos Estados Unidos, decretando uma série de sanções económicas contra o país e seus dirigentes.

Extremada por Trump no seu primeiro mandato e no essencial mantida por Biden, a guerra económica reduziu vastas camadas do povo venezuelano à miséria extrema. Naquele primeiro consulado de Donald Trump, morria-se nos hospitais venezuelanos por falta de insulina e outros medicamentos essenciais. A extração petrolífera, dependente de tecnologia norte-americana para a sua refinação, teve de ser reduzida para um por cento dos seus níveis habituais, colapsando a economia do país. Os relatos desses anos, são os de uma tragédia inimaginável para quem não a viveu ou conheceu.

A ofensiva culminou, então, com a farsa do “reconhecimento ocidental” do deputado Juan Guaidó, alegado oposicionista ao Presidente Nicolás Maduro, mas, na realidade, um agente de influência dos EUA. Também então, em 2019, navios norte-americanos bordejaram as águas territoriais do país e comandos terrestres com apoio da CIA, tentaram lançar o caos a partir do interior. A farsa de Guaidó cessou ingloriamente, com a recolha do seu agente aos EUA onde, atualmente, “gere” o bloqueio das verbas dos activos venezuelanos “bloqueados”, por Washington.

Saber a lição de cor

Um segundo recurso venezuelano escapa ao controlo dos EUA, as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas. O ensaio intentado nas eleições presidenciais de 2024 pretendia atribuir a vitória a Edmundo Urrutia González e María Corina Machado, duas figuras da ingerência norte-americana similares a Guaidó. As versões postas a circular de fraude eleitoral por parte do poder revolucionário venezuelano caíram por terra pelas evidências contrárias. E, há poucas semanas, numa entrevista com Christiane Amampour, para a CNN Internacional, que a CNN Portugal retransmitiu, Corina explicou como “venceu” essa eleição. Nas suas próprias palavras “recolhemos 85% dos boletins de voto, levámo-los para zonas secretas, digitalizámo-los e foi assim que mostrámos a nossa vitória ao mundo”.

O ritual cortejo de tochas que percorre as ruas de Oslo por ocasião da entrega do prémio Nobel da Paz, acabado de atribuir pelo Comité Nobel, a esta insigne “lutadora pela paz e pela democracia”, não se realizará este ano porque os 15 mil integrantes das organizações promotoras da cerimónia anunciaram que a outorga do Nobel àquela agente de influência da CIA na Venezuela contrariava os mais elementares princípios que devem reger a atribuição do prémio.

Com as declarações da China e da Rússia de apoio incondicional ao governo de Nicolás Maduro, através, nomeadamente de tratados de cooperação militar ilimitada, uma intervenção terrestre das Forças Armadas norte-americanas parece difícil de acontecer. Maduro abriu portas a uma mobilização paramilitar do povo venezuelano que num mês registou 8,5 milhões de cidadãos que se voluntariaram para combater pela independência do seu país. Dar formação militar e armas a quase um terço da população com base no alistamento voluntário não parece próprio de um regime ditatorial, outra das acusações dirigidas contra a revolução bolivariana. Da Colômbia, o presidente Gustavo Petro fez saber que uma intervenção militar norte-americana na Venezuela será entendida como uma agressão contra toda a América Latina. Idênticos sinais chegam do México, de Cuba ou da Nicarágua. Pelo mundo, fala-se da constituição de Brigadas Internacionais para defender a Venezuela, se necessário for, como ocorreu há perto de cem anos, com a Espanha republicana.

A História parece assim, repetir-se. Esperemos que, neste caso, como trampa e farsa de Trump e não como tragédia para a população venezuelana, integrada por mais de 500 mil portugueses e luso-descendentes que, perante o agressivo desprezo do governo português pelas autoridades de Caracas, dificilmente escapariam às bombas democraticamente lançadas sobre eles por Washington.

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