Há algum tempo que o livro que hoje vos recomendo, estava a aguardar oportunidade de recensão na minha banca de trabalho. Outras urgências se foram sobrepondo e este, a vários títulos, magnífico livro de Augusto Baptista e da ilustradora Emelie Östergren, foi ficando adiado.
Acontece que, na leitura de uma notícia veiculada pelo jornal online Abril, Abril, se afirma que o governo, no seu afã de mudar a estrutura do Estado, de o minar por dentro, visando entregar a privados tudo o que lhe for possível e dê lucro, pretende, na propalada Reforma da Educação, extinguir, entre outras malfeitorias que visam os departamentos culturais, o Plano Nacional de Leitura (PNL) e a Rede de Bibliotecas Escolares.
O PNL tem sido, ao longo da sua existência, e através da chancela, Ler+, um indicador seguro da qualidade literária e valia pedagógica das obras que recomenda. O livro de que hoje vos falo, A Senhora Prestável, é um desses casos.
A Senhora Prestável, de Augusto Baptista e Emelie Östergren é um livro de prodígios, a começar na linguagem solta, no humor e no surreal que envolve toda a estória, combinando essas qualidades com o traço feliz, inusual em livros afins, da ilustradora e no modo como esta estória, a tocar o absurdo, de generosidades extremas, se vai desenvolvendo para nosso gáudio e fortuna. A estória de dona Berta e do seu infeliz marido Dorival, só terá sido possível conceber, com seus incidentes em contínuo, dada a fecunda imaginação de Augusto Baptista, autor que tem na sua oficina criativa bastas incursões pela narrativa curta, pela poesia e pelo microconto que ele desenvolve com rara e surpreendente argúcia (veja-se o seu recente livro O Encantador de Sereias).
A Senhora Prestável, é um sadio desafio à imaginação do leitor que se deixe envolver por esta estória onde a magia habita, e percorra o desatino com que a benevolência de dona Berta irá transformar um modesto apartamento burguês dos subúrbios, um T1, numa alucinada selva urbana. Esta singular aventura começa logo em alta voltagem, quando dona Berta abre as portas do seu exíguo quarto para que os guarda-redes do clube local ali possam treinar, ou ceder a sua cama aos atletas do ginásio, utilizando-a como trampolim, ou a sala, aos domingos de manhã, para os ensaios da banda, para desespero do inconformado Dorival, saudoso dos seus tempos de África e do sossego dos grandes espaços, que nem aos domingos tem direito a um longo ressonar reparador.
O pior está para vir, com o dono do circo a pedir a dona Berta que lhe cuide por uma tarde de um elefante bebé, acabadinho de nascer. Por lá se instala, no quarto do T1, o infante paquiderme, de seu nome Korak, que dona Berta irá cuidar com desvelo, escondendo-o, no entanto, da fúria de Dorival. A tarde torna-se noite, e dona Berta, sem outra solução, esconde Korak debaixo da cama. O resto terás tu, leitor, que descobrir, que este A Senhora Prestável, irá prender-te até à última palavra.
Proponho-te, leitor, o seguinte exercício: desliga, por uma noite, a televisão, reúne a família na sala (este livro é para toda a gente, para todas as idades, até para os cotas que mantêm resquícios da criança que foram), e lê esta estória de Berta e Dorival em voz alta, ou divide as falas do texto pelos convivas. Verás que estimulante exercício, que prazer poderes fruir este humor inteligente, esta torrente imaginativa, este caudal de pequenos prodígios, e diverte-te leitor, em grupo, porque a festa das palavras deve ser vivida e partilhada por todos. E, no final, mostra o postal que os autores vos oferecem, estão lá ambos e as personagens, entre embondeiros, lianas e a luxuriante flora da selva (e a cama, dos sobressaltos de Dorival).
A Senhora Prestável – de Augusto Baptista e Emelie Östergren – Edição Xerefé Edições.
