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Ensino

Experimentar fora da escola

Os finais de ano lectivo nas escolas d’A Voz do Operário assumem sempre uma intenção que vai muito para além da festividade e do convívio, típicos de alguns contextos educativos em Portugal. Eles devem ser um exemplo da materialização do nosso Projeto Educativo, que se constitui a partir de princípios dos quais não podemos abdicar, independentemente da dimensão do desafio.

Para as comunidadedes com 1º ciclo – no Espaço Educativo da Graça e no Espaço Educativo da Ajuda – a aproximação do final do ano lectivo é também sinónimo da chegada de um dos momentos mais esperados: o acampamento ou acantonamento (dependendo do formato). Se a ideia de que estes momentos são bastante importantes e entusiasmantes é relativamente fácil de integrar, pela dimensão de entusiasmo que normalmente lhes está associada, parece-nos ainda assim fundamental partilhar o porquê desta opção pedagógica e aquilo que lhe está inerente. Talvez acabemos a descobrir que esta experiência é menos circunscrita no tempo e no espaço do que se esperava, porque imensamente mais rica e profunda do que inicialmente se entendeu.

Conceptualizar a Educação parte, para nós, da permissa de continuidade e trasnversalidade. Acreditamos que educar é um acto contínuo, sem interrupções e que por isso requer atenção e cuidado permanentes, por implicar decisões constantes, com impactos reais. Nesse sentido, criar experiências que possam acrescentar valor à experiência de sala de aula, mesmo que também esta assente em diferneciação, co-construção e diálogo, trará, inevitavelmente, um novo espectro de oportunidades educativas que, se desenvolvidas de acordo com o que preconizamos, se farão acompanhar de elementos que, tendencialmente, se caracterização por marcas que perdurarão.

Os acampamentos (passemos a usar apenas esta nomenclatura, simplificada, por mera questão de facilidade) n’A Voz do Operário, procuram há muito ser a concretização do processo democrático nascido da gestão cooperada da vida do grupo, visando o diálogo, compromissos, cooperação, resiliência e união.

Sabemos que a maximização da aprendizagem se faz na relação directa com o outro, onde a possibilidade de reinterpretar o mundo se faz de forma plena quando nos vimos obrigados a colocar frente a frente aquilo que percepcionamos como “certo”, em contraponto com o que outros, como nós, creem ser o mundo ao seu redor. Por norma, nas nossas escolas, esta mediação é feita através de um contexto repleto de instrumentos e processos que facilitam e promovem essa reiterpretação. Eles permitem medir, avaliar, experimentar, arriscar, num enquadramento que visa a regulação, a previsão e a continuidade.

Uma forma interessante de medir e avaliar também o trabalho de cooperação que desenvolvemos ao longo do ano, acontece quando o tal contexto que serve de pano de fundo e segurança para a experimentação que se espera, desaparece. Quando a sala e a escola “desaparecem”, até que ponto o grupo e a comunidade mantêm a força suficiente para que a experimentação do meio continue e, esperemos, se aprofunde ainda mais? Passa então a ser decisivo manter os pilares do colectivo, criando novas rotinas, acomodando novos processos e novos instrumentos, ou simplesmente adaptar o património de organização já criado, aos novos contextos.

Nos acampamentos, a perda do conforto físico requer outras recompensas, conforto de outra natureza. É na confiança naqueles que me rodeiam e que comigo decidiram embarcar na aventura, que poderei encontrar o aconchego que preciso. Mas é também na organização criada, na definição colectiva do caminho a seguir, que se encontra e descobre o que estava em falta. A perda de conforto é uma oportunidade para o ganho da autonomia. Esta autonomia, é sustentada num contexto que exige a partilha de responsabilidades, a definição de tarefas, a assunção de compromissos. É por isso fundamental que alguns dos instrumentos utilizados em contexto de sala, como o Conselho de Cooperação Educativa, possam acontecer em contexto de acampamento. Porque é ainda mais importante avaliar o dia que termina e preparar o dia seguinte. Saber o que iremos fazer, Quem irá fazê-lo? A que horas vamos? Quando regressamos? O que iremos comer? Quem cozinha? Quem lava a loiça? Onde dormimos? Onde reunimos? Quem amanhã liga para o museu que vamos visitar? Neste contexto, não é raro que algumas crianças assumam papéis e iniciativas que, em contexto de sala, lhes sejam menos comuns. E é, afirmamos com a convicção forjada na experiêcnia concreta, muito comum que as relações se aprofundem de formas que não seriam possíveis se esta experiência pedagógica não acontecesse. Quer as relações entre crianças, como as relações entre crianças e adultos e até, imagine-se, entre adultos, saem verdadeiramente reforçadas. Há sempre uma fraternidade – acho que é essa a palavra mais justa – que se cria, trás de volta e que perdura.

Na Voz do Operário, faz-se Escola todos os dias. Mas, no nosso caso, faz-se ainda mais Escola, quando se sai da escola.

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