Estamos em 1997. Caterino Lamanna vive numa zona rural afastada do centro da cidade italiana de Taranto. Trabalha na maior empresa siderúrgica da Europa, a ILVA. É um trabalho duro e perigoso. Caterino, homem um pouco rude e individualista, não hesita quando o gerente, Basile, lhe propõe espiar colegas em troca de um posto de trabalho mais favorável.
“O Lugar do Trabalho” (o título original é “Palazzina Laf”), de 2023, do actor estreante na realização Michele Riondino, que passou por Lisboa na 18ª Festa do Cinema Italiano, é uma obra realista e mordaz. O filme traça o percurso de um operário que, para melhorar as suas condições laborais, aceita trair a sua classe a favor dos seus superiores. Caterino é promovido a capataz, e Basile cede-lhe um humilde carro em segunda mão da empresa.
A exploração capitalista fez com que a reivindicação se intensificasse na ILVA. Um operário sofreu um acidente mortal depois de ter trabalhado 32 horas em dois dias.
A ilusão de poder do trabalhador espião
Basile aumenta a parada. Quer que Caterino passe a controlar o edifício LAF, lugar afastado dentro da ILVA, onde estão 79 trabalhadores que a empresa decidiu arremessar e isolar. O gerente percebe que pode abusar de Caterino, presa fácil na engrenagem laboral.
Os trabalhadores, confinados durante o período laboral, não têm nada para fazer, e isso tem consequências sobretudo psicológicas. Alguns estão bastantes perturbados; outros tentam manter o equilíbrio e a sanidade cozinhando, fazendo café ou jogando ping pong. Estes são trabalhadores especializados e altamente qualificados, que, por algum motivo, foram castigados pela entidade patronal. No fundo, vivem uma tortura.
Caterino integra-se facilmente no grupo. Anota numa agenda todos os movimentos dos colegas, e até compreende a situação terrível a que foram votados. No entanto, o desejo de agradar ao patronato é maior.
Há um momento no filme em que o grupo se reúne para escrever uma carta ao bispo, que vai dar uma missa na siderurgia.
Durante a missa, uma das trabalhadoras é dissuadida pelos seguranças. Caterino informou os superiores das intenções do colectivo. Esta é a cena onde a opressão contra a classe operária se estabelece com a maior argúcia e mesquinhez. O silêncio, os olhares e a passividade dos confinados revelam frustração.
A luta continua e a união vence
Apesar do advogado que os ia ajudar desistir do caso, a luta continua e a união faz a força. Os trabalhadores conseguem que a epístola que não foi entregue ao bispo chegue ao Ministério Público, que abre um inquérito. Em tribunal, Caterino confessa que sabia bem o que estava a fazer. Tal confissão tem tanto de assustador como de verdadeiro: num mundo de injustiças sociais e económicas, existem trabalhadores explorados dispostos a tudo, em termos éticos e humanos, para melhorar as suas condições laborais.
“O Lugar do Trabalho”: não podia existir título mais realista e irónico para esta lúcida obra cinematográfica. Se há lugar onde as pessoas trabalham arduamente é naquele complexo industrial. Quando, ao mesmo tempo, reivindicam os seus direitos, são castigadas e escondidas, para quase enlouquecerem.
O filme é baseado num caso verídico ocorrido em Itália, na cidade de onde é natural o realizador. “O Lugar do Trabalho” é um espelho intemporal dos (des)limites da exploração laboral silenciosa, e de como a luta e união dos trabalhadores pode demover tais injustiças.