Sociedade

25 Abril

Nacionalizações, uma conquista da revolução

No dia 14 de março de 1975, o Conselho da Revolução decide a nacionalização da banca comercial que actuava em Portugal, no rescaldo do golpe falhado de 11 de março do mesmo ano. Pode verificar-se que, tal como em outros sectores, os trabalhadores, nomeadamente os da banca, reclamavam desde muito antes a concretização de uma política de nacionalizações.

Tal como sobre o controlo operário, a reforma agrária e outras dimensões da vida colectiva e da economia nacional, os trabalhadores anteciparam a produção legislativa e constituíram-se como força material avançada, como concretizadores do concreto e vanguarda do legislador. Se em muitos sectores era possível efectivamente materializar políticas de controlo público ou operário, o sector financeiro, pelas suas características próprias, pela sua complexidade e pela sua articulação com o aparelho de Estado, todo o funcionamento da economia e sistema financeiro nacional e suas ligações ao sistema financeiro internacional, exigia uma medida política de Estado para a sua real concretização.

Apesar de os trabalhadores da banca e de outros sectores reivindicarem a nacionalização do sector desde há muito, apenas como resposta ao golpe spinolista de 11 de março foi de facto efectivada a nacionalização. A evidência de que a banca deveria ser controlada pelo Estado ultrapassava a mera constatação da sua importância como elemento central de uma economia ao serviço das populações e do interesse nacional, e colocava-se agora com a candência de uma medida de urgência para travar o boicote e o ataque dirigido à revolução pela reacção e grupos monopolistas, que fazia especial uso da banca privada, como aliás explica o decreto n.º 132-A/75:

“Considerando a necessidade de concretizar uma política económica antimonopolista que sirva as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa, no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas;

Considerando que o sistema bancário, na sua função privada, se tem caracterizado como um elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas, em detrimento da mobilização da poupança e da canalização do investimento em direcção à satisfação das reais necessidades da população portuguesa e ao apoio às pequenas e médias empresas;

Considerando que o sistema bancário constitui a alavanca fundamental de comando da economia, e que é por meio dela que se pode dinamizar a actividade económica, em especial a criação de novos postos de trabalho;

Considerando que os recentes acontecimentos de 11 de Março vieram pôr em evidência os perigos que para os superiores interesses da Revolução existem se não forem tomadas medidas imediatas no campo do contrôle efectivo do poder económico;

Considerando a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores da banca na fiscalização e contrôle do respectivo sector de actividade;

Considerando, finalmente, a necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos depositantes;

Nestes termos:

Usando os poderes conferidos pelo artigo 6.º da Lei, o Conselho da Revolução decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º – 1. São nacionalizadas todas as instituições de crédito com sede no continente e ilhas adjacentes (…).”

Estas linhas contextualizam a medida, relembrando a força do momento histórico em causa e relembrando a importância dos trabalhadores no processo. Na verdade, a nacionalização da banca permitiu, não apenas assumir o controlo de instituições determinantes para a economia e seu financiamento, como expor os crimes, os desvios, as ilicitudes e as manobras das camadas monopolistas, trazendo ao conhecimento público um vasto conjunto de práticas levadas a cabo no interior da banca, com vista a uma extração de valor ainda maior, em detrimento do interesse dos depositantes e do interesse público.

A nacionalização da banca permitiu desencadear um conjunto de outras nacionalizações, foi determinante para a concessão e canalização de créditos para projectos da Reforma Agrária, permitiu a dinamização de sectores industriais de todas as áreas de actividade, incluindo os nacionalizados, mas não apenas isso. Durante o período em que a banca foi nacionalizada (sem que tivesse deixado de existir concorrência entre as instituições), a banca no seu conjunto viu crescer os seus balanços, alavancou a concessão de crédito e aumentou a dimensão das instituições enquanto esteve na vanguarda mundial de um sistema único de caixas bancários – o multibanco. A banca nacional inovou, cresceu, alargou a sua importância na economia e disponibilizou mais recursos ao país e possibilitou que outras dimensões das conquistas da revolução se precipitassem e avançassem com novo ímpeto.

Tal como a nacionalização da banca em 1975 permitiu um olhar público ao interior de um sector opaco e complexo, também nos últimos anos a constituição de comissões parlamentares de inquérito permitiu – aos grupos parlamentares que o quisessem fazer – identificar os métodos, as operações de especulação, desvio, manipulação, fuga fiscal, créditos a partes relacionadas, entre muitos outros, através dos quais a banca continua a lesar o interesse nacional, a extrair recursos à economia, às famílias e às empresas, colocada única e exclusivamente ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos e dos seus grandes accionistas, funcionando como um obstáculo ao desenvolvimento nacional.

Não diferem, na forma, nem no conteúdo, os problemas criados pela banca nacionalizada por PS e PSD até 1992 daqueles com que agora nos confrontamos. Difere, isso sim, a correlação de forças entre trabalho e capital, a capacidade de mobilização das massas e a consciência popular sobre o funcionamento do capitalismo e da sua relação com o Estado. É esse o nosso trabalho, elevar as condições subjectivas ao patamar de exigência em que as condições objectivas actuais nos colocam.

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