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A influência da Escola

A vida na escola é muito mais do que uma sala de aula, é uma vivência holística da educação em todo o seu esplendor, é um caminho que ajuda na construção do indivíduo, nas suas várias vertentes.

Diria Vygotsky que existem dois tipos de conceitos, académicos e espontâneos, que têm origens diferentes e também formas distintas de serem adquiridos. Os académicos dependentes da educação formal, assentes em sistemas culturais, integrados no que é o currículo ensinável, contrastando com os conceitos de todos os dias que adquirem na vivência social do dia-a-dia.  As crianças vão compreendendo de forma cada vez mais concreta os fenómenos e acontecimentos, nos vários espaços e momentos, conseguindo fazer generalizações e abstrações cada vez mais complexas, à medida que vão tendo mais vivência neste quotidiano, enquanto que com o conhecimento científico que vão adquirindo, vão por seu lado fazendo um caminho inverso, tornando-se cada vez mais significativos à medida que se cruzam com as vivências do dia-a-dia. 

Temos a obrigação de criar na Escola este ambiente de cruzamento entre o que temos de aprender com o que precisamos compreender e viver. Para que serve tudo o que temos de aprender? Onde encaixamos todos os conceitos que fazem parte do currículo? Para onde vai aquilo que temos realmente interesse em saber?

Este é um dos verdadeiros desafios de ser professor. Precisamos de nos lembrar todos os dias que a díade ensino-aprendizagem nos coloca no papel de criar um ambiente seguro e propício à descoberta, à aventura, ao encorajamento de ultrapassar as dificuldades de modo consciente e autónomo, de guiar, amparar ou alertar na construção de um caminho individual dentro de uma sociedade.

Talvez um dos papéis mais difíceis será esse, de educar, tendo em conta cada indivíduo, e o seu crescimento individual, sem perder o pano de fundo, da integração ativa numa sociedade que se quer plural, solidária, atenta e preparada para compreender e integrar a diferença.

Na Voz do Operário, temos sempre muito presente essa sociedade como algo a que pertencemos e queremos continuar a construir, mesmo sabendo e sentindo que as forças do individualismo, egocentrismo e populismo, crescem à vista de todos. Será talvez a única forma de mantermos o foco no que queremos construir com o Projeto Educativo, esta consciência e clarividência do que temos de enfrentar todos os dias.

Ser da Voz do Operário é fazer parte de um coletivo, que se une em torno de um mesmo Projeto Educativo e que à medida que vamos “crescendo” dentro de cada valência ou nível de ensino, nos preparamos para o que vem a seguir, sempre com a mesma linha de ação e pensamento. Os alunos que, na Voz do Operário, fazem o seu percurso são alunos que vão vivenciando essas mudanças com um amparo de quem os deixa e os recebe e isso é algo que faz toda a diferença. 

Nas várias valências, criamos momentos para famílias e alunos, para os ajudar nestas mudanças, dando a conhecer o novo mundo, tirando dúvidas e mostrando o melhor que sabemos, as ligações que existem entre cada passagem de ciclo ou valência. Chamamos a estes momentos Transições. Da nossa experiência, momentos sempre mais difíceis para os adultos do que para as crianças, que reconhecem em tantos momentos o que já viviam nas suas anteriores salas. 

Ajudar cada criança e família a fazer esta passagem de ciclo da forma mais informada e tranquila é o papel principal. Na parte das famílias, dar-lhe espaço e tempo para conhecerem o modo como trabalhamos no ciclo ou valência seguinte, para que possam, por um lado ver se é o que querem para educação dos seus filhos, ou por outro, se essa decisão já está tomada, puderem inteirar-se melhor do passo seguinte, que terão enquanto família.

Na parte dos alunos, passa muito mais por lhes dar a experiência de estarem no ciclo seguinte e desmistificar esta passagem. Mostrar-lhes o funcionamento, o dia-a-dia, as rotinas. Este momento é sempre feito em tempo letivo, em parceria com os alunos do ciclo em questão. São eles os principais atores nesta mostra. Temos a intenção de lhe proporcionar a experiência de uma parte do dia, um dia inteiro, ou vários dias, consoante o nível de ensino e idades, levando um adulto de referência com eles. Nada melhor do que num ambiente seguro experimentar ir mais além, como quem se lança na primeira onda da praia de mão dada com alguém de confiança.

Temos também em mente que todas as crianças transitarão de valência, mas nem sempre todas dentro da Voz do Operário e por isso a ideia é mostrar-lhe como é o passo seguinte, na perspetiva de verem e viverem as mudanças, muitas vezes de tamanho de salas, de distâncias, de número de professores e salas de aula, do que existe disponível nas salas de aula, dos materiais que usarão. E se dentro da Voz do Operário essa transição tem contornos mais simples, com semelhanças mais fáceis de encontrar entre valências, também de alguma forma conseguimos mostrar as diferenças, que ajudarão todos os alunos, seja qual for a escolha das famílias. 

Quando um aluno termina o seu percurso na Voz do Operário, concluindo todas as valências, há uma certeza que temos, pelo acompanhamento de tantos alunos ao longo de muitos anos, é que saem da Voz do Operário com uma visão do Mundo que lhes permite saber escolher, ver e interpretar os acontecimentos de um modo crítico e integrador; Que são capazes de compreender de uma forma incrível o nosso Modelo Pedagógico e a riqueza que é trabalhar desta forma; Que levam uma organização de pensamento e de forma de trabalhar que muitas vezes só dão conta mais tarde, no confronto com ensinos mais tradicionais; Que sabem ter uma autonomia na escolha, no modo de pensar e de optar; Que conhecem o trabalho projeto e todas as suas fases como alguns adultos não conhecem; Que reconhecem o trabalho coletivo e o material cooperativo de uma forma absolutamente maravilhosa, mesmo quando querem ter o seu próprio material.  Todas estas consciências ganham uma dimensão muito maior quando entram noutro regime de ensino, quando se confrontam com outras realidades e isso é a prova que precisamos para acreditar que vale mesmo a pena continuar a investir numa educação com um pensamento socioconstrutivista. 

Qualquer passagem pela Voz do Operário deixa a sua marca positiva e acredito que vale sempre a pena viver, nem que seja um ano este modelo pedagógico, mas que quando há uma passagem prolongada, o efeito é multiplicador de vivências, de aprendizagens de crescimento coletivo e individual, não tenho dúvidas. 

O regresso de ex-alunos, quase diário, à Voz do Operário, é sempre feito em primeiro lugar pelos alunos que mais crescidos saíram da nossa escola. Os restantes que saíram ainda no 1º ciclo ou pré-escolar, por exemplo, voltam também mas normalmente passado mais anos, quando tomam mais consciência do que foi o seu tempo de Voz do Operário.

E nós cá estamos para os receber, seja logo passado uns dias ou passado 10 anos. Alguns 20 anos depois, já com filhos que querem inscrever na Voz do Operário. 

Estamos cá há 142 anos e vamos continuar a estar aqui, dedicados ao nosso Projeto Educativo, ao movimento associativo e com uma presença que queremos forte na nossa comunidade e neste mundo da educação, sempre em mudança.

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