O que é este Plano para os Média?
É um processo de intenções. No que ao Serviço Público de Televisão diz respeito, não traz qualquer benefício, a não ser desestruturação do que existe. É o esboroar do serviço de qualidade que se faz na RTP, ao contrário do que se impunha. Ignora as potencialidades do acervo documental da RTP, que é dos melhores da Europa, as necessidades do Serviço Público desenvolvido quer a nível nacional, quer dos países de expressão portuguesa, da necessidade de reforço das delegações que servem a diáspora portuguesa. Para quem não sabe, são mais de 4 milhões as pessoas que contactam diariamente o universo RTP.
Quatro milhões em todo o Mundo?
Sim. Só podemos comparar o que é comparável e quando comparam a RTP com as televisões privadas, só se estão a referir ao Canal 1, mas a RTP é muito mais do que isso. São oito canais (RTP1, RTP 2, RTP 3, RTP Memória, RTP Açores, RTP Madeira, RTP África e RTP Internacional) e falando só de Televisão. Na Rádio temos a Antena 1, a Antena 2, a Antena 3, RDP Internacional, a RDP África e as Plataformas Digitais.
Os programas de entretenimento são importantes na televisão pública?
Sim, porque também eles formam e abrangem públicos diferentes e abrem o palco, dão público para a cultura, preocupação que só a RTP tem. Não estamos a falar de reality shows, estamos a falar de programas diferenciadores.
O Plano e a intenção de acabar com a publicidade na RTP até 2028 foi conhecido no encontro com televisões privadas. A RTP já tinha sido informada do Plano?
Não, e é inconcebível que tenha sido assim! Quando se diz que se quer valorizar o papel da RTP em matéria de Serviço Público e depois se anuncia a retirada da publicidade numa cerimónia com os privados, sem sermos previamente ouvidos, então o que estamos a fazer não é valorizar, mas antes desvalorizar a RTP, ou, se quisermos, torná-la irrelevante. Porque a publicidade está associada às audiências e o Serviço Público faz-se com audiências. Queremos chegar a todo o país, à diáspora portuguesa espalhada pelo mundo e aos países de língua oficial portuguesa, no âmbito da CPLP. Temos de chegar a todos os falantes do português. E, no Conselho de Opinião, que representa toda a sociedade civil, dizem-nos os representantes da diáspora que só se fala língua portuguesa, por exemplo na Califórnia, porque há RTP Internacional. O mesmo diz-nos o nosso representante de Paris.
E como sustentam esse serviço prestado à diáspora?
Com o Orçamento da RTP que mantém de pé as delegações, a necessitarem de serem reforçadas. Ora, pelo contrário, este Plano propõe o desmantelamento desse serviço público prestado à diáspora portuguesa e, em última instância, privatizar a RTP.
O Ministro defendeu a privatização?
Nem precisou de o dizer. Esta é a terceira vez que sou confrontada com tentativas de privatização da RTP. Hoje a televisão e a rádio exigem investimento nas novas tecnologias porque as exigências são outras. Não se investindo quer o Serviço Público na televisão e na rádio vai-se fragilizando, vai-se desmantelando a pouco e pouco, não é preciso fazer nada. No tempo da troika lembro-me bem da estratégia para a RTP. A indemnização compensatória que estava atribuída à empresa não era entregue. Os valores foram-se acumulando, obrigando a empresa a endividar-se, dívida que chegou aos 900 milhões de euros. Foi nessa altura que Morais Sarmento, na altura ministro da tutela, também defendeu a privatização. Depois acabou em boa hora por recuar e hoje é ele o primeiro a defender a continuidade da publicidade na RTP, e sabe bem do que fala.
Quer dizer que este plano é um programa de uma comissão liquidatária da RTP e RDP?
Eventualmente. Bem podem dizer que querem dar mais importância, se não lhe dão meios como podem sustentar este serviço. Não havendo dinheiro corta-se na grelha.
Sabemos que a RTP teve rendimentos, em 2023, de 235 milhões de euros, 190 milhões dos quais vieram da Contribuição para o Audiovisual (CAV) que representou 190 milhões de euros e que o ministro já disse não querer aumentar, e de facto já há oito anos que não é aumentada, embora a lei diga o contrário. As receitas comerciais representam 45 milhões, sendo que metade, 21,7 milhões vêm da publicidade. Como vão compensar esse corte?
O que diz o ministro da tutela é que irá ser compensado, mas não só essa compensação não está prevista no Orçamento do Estado, como o governo não diz quando, de que forma e como vai fazê-la. E a RTP precisa de ser gerida com previsibilidade. Os nossos pareceres estão públicos na área da RTP e lá dizemos que, por exemplo, toda a cooperação que a RTP garante com os países de língua oficial portuguesa devia ser assumida pelo Estado português, designadamente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em aliança com o Instituto Camões. Trata-se de cooperação, de levar mais longe a nossa língua, a nossa cultura, e isso custa dinheiro se o Estado português não está a fazer quem o faz é a RTP, sai do seu orçamento. Por exemplo, ao nível também das plataformas e no digital há potencialidades para fazer muito mais, mas é fundamental investir. Em 2020 e 2021, durante a pandemia, foi a RTP o único canal de televisão que, através de um programa designado Estudo em Casa, ajudou a organizar o trabalho de professores e alunos durante esse período. Nunca foi ressarcida desse Serviço Público, saiu do Orçamento da RTP. Mas há 14,9 milhões de euros de indemnizações compensatórias que deviam ter sido entregues à empresa e não foram. Essa prática obrigou a empresa a endividar-se para resolver as suas questões financeiras. Ainda assim a empresa teve um lucro de 2,5 milhões.
O ministro fala nos bons exemplos lá de fora, designadamente a BBC e aqui ao lado a vizinha Espanha. É assim?
O Serviço Público é a preocupação dos países da Europa. Fizemos duas conferências internacionais, em 2023 e em 2024 e em ambas foi reafirmada essa preocupação. Até ao nível da investigação académica, envolvendo as universidades, que estão a trabalhar diferentes temas para reforço do Serviço Público. Mas no que toca a financiamento, Espanha contou, em 2023, com mais de 1.100 milhões do OE e a BBC beneficia de uma taxa, equivalente à nossa CAV, que é de 189 euros anuais, por agregado familiar, em Portugal é 34,2 euros ano, menos de 1/5 da BBC.
O que é que representa essa quebra de receitas?
Desde logo é desinvestir na ficção portuguesa, nos atores. Os prémios que a RTP tem recebido pelo papel que tem tido, abrindo a porta a novos atores, jovens músicos, mas também no plano da informação! Ainda recentemente a Reuters News Digital Report colocava a RTP como a marca de confiança dos portugueses, à frente de todos os outros jornais e canais televisivos, pela sua informação credível, plural, abrangente que cobre todo o espaço português, a par da Lusa. Aí está, uma medida que consideramos importante, e com a qual estamos de acordo, é o aumento de capital do Estado na Lusa, mas é preciso que chegue a todo o lado. Tal como na Televisão e Rádio públicas, precisamos que chegue a todo o lado, precisamos de mais correspondentes e têm de ser profissionais do jornalismo. O território dos Açores, por exemplo, ainda não está completamente coberto. É importante que os portugueses se sintam identificados, é fundamental que o que se passa em Bragança ou em Tavira seja refletido na informação, e isso faz-se com profissionais. O Portugal em Direto é um dos programas de maior audiência. Essa é uma função do Serviço Público da Rádio e Televisão Pública, e que os privados não fazem porque não é lucrativo. Dou-lhes o exemplo de um operador privado português que adquiriu algumas rádios, mas logo que lhe surgiu uma oportunidade de negócio, vendeu-as aos alemães.
O que se prevê é a rescisão com 250 profissionais.
Aquilo que o Conselho de Administração previa inicialmente era a saída de 80 mais trinta saídas, tendo em conta as idades, que dentro de dois, três anos estavam na reforma, aqui o plano é outro. O que se faz aos serviços que estes profissionais asseguram? Fecham-se? E quem os vai substituir, como vão ser formados, quais os profissionais experientes que os vão enquadrar, quem faz a passagem de testemunho?
Já reuniram com o Governo?
Já tivemos reunião com o Ministro da tutela e com o secretário de Estado e dissemos-lhe que não consideramos que seja este o caminho, a empresa endividar-se para despedir. Isso não é política de gestão. Mas dissemos também que não temos gente a mais, as informações que nos chegam do conselho de administração é que não só não há gente a mais nem na RTP e RDP, o que é preciso é reforçar os que lá estão com gente mais nova, dando a possibilidade a estes jovens serem enquadrados pelos profissionais experientes.
O Governo falou-vos do Novo Contrato de concessão?
Disseram-nos que estaria pronto até ao final do ano e nós daremos o nosso parecer à proposta que o Governo apresentar. Dissemos também, quer nós, quer o Conselho Geral Independente (CGI), que a equipa que prepara a revisão do contrato de concessão deverá ser paritária, o mesmo número de representantes da RTP e do Governo, porque não tem sido isso que tem vindo a suceder.
E o que vai fazer o conselho de opinião?
A opinião do Conselho de Opinião da RTP tem 32 membros, 10 indicados pela Assembleia da República e os restantes 22 são das várias instituições, associações, de espectadores, ouvintes, consumidores, igualdade de oportunidades, parceiros sociais, associações sindicais e patronais, associações das várias áreas da sociedade portuguesa. Estamos a contactar as autarquias locais, estamos a ouvir as preocupações das populações e a dar a conhecer todas as ofertas do Serviço Público e através das autarquias vamos mobilizar as forças vivas, membros das associações, das coletividades existentes. Estão já marcadas reuniões em Viana do Castelo, Covilhã e Castelo Branco. Mas também já reunimos com a Comissão de Trabalhadores da RTP, com todos os sindicatos do setor, com o com os diretores das várias áreas, com o Conselho Geral Independente, Conselho de Administração. Estamos também a projetar uma conferência conjunta, Conselho de Opinião e Conselho Geral Independente e, eventualmente, também organizações com pensamento estruturado sobre esta matéria a nível Europeu e queremos que esta conferência se faça provavelmente em março do próximo ano, na Assembleia da República, altura em que a RTP faz 68 anos. Estamos a preparar um livro com base nas intervenções das conferências que se realizaram.
Algum apelo?
Sim aos senhores deputados, para que possam visitar a RTP e perceber a sua dimensão e o trabalho que se faz. Vamos pedir um encontro com o senhor Presidente da República, no sentido de podermos preservar e garantir, à luz da Constituição, o Serviço Público prestado aos cidadãos que cá vivem e trabalham, mas também à diáspora portuguesa e a toda a CPLP, para que a cultura e a língua portuguesas continuem a vibrar e que a literacia mediática se afirme, para que possamos reforçar a liberdade e a democracia exatamente numa altura em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, porque privatizar a RTP é pôr em causa a democracia.