Internacional

Médio Oriente

Israel é uma fábrica de crimes de guerra

A morte de Yahya Sinwar, líder do Hamas, e de quase toda a liderança do Hezbollah não faz Israel parar a agressão à Palestina e ao Líbano porque o objetivo é implementar o seu projeto colonial e supremacista. Depois de violar milhares de vezes as leis do direito internacional, as forças israelitas atacam capacetes azuis das Nações Unidas de forma deliberada. Ninguém está a salvo da barbárie. Os Estados Unidos já não escondem o apoio às operações de Israel e, para lá dos protestos formais, a maioria dos países da União Europeia, incluindo Portugal, parecem ter pouca ou nenhuma vontade de impor limites a Telavive.

Ilustração: Luís Alves

Depois de divulgar as últimas imagens de Yahya Sinwar, moribundo, a resistir a um drone israelita com um pau, Israel semeou um herói em todo o mundo árabe. Não estava escondido num túnel usando reféns como escudos humanos, segundo a propaganda israelita, mas a combater ao lado dos seus homens no sul da Faixa de Gaza.

Depois de 43 mil mortos, a barbárie estende-se ao Líbano, onde o Hezbollah havia começado uma campanha de ataques, há um ano, em solidariedade com a resistência palestiniana. É em Beirute que entro no táxi, já de madrugada, onde o motorista me pede 10 dólares. Aceito sem negociar. Atravessamos o perigoso Dahieh, o subúrbio a sul de Beirute, onde Israel despeja todos os dias bombas em ataques que diz serem cirúrgicos. Ali Shaib vira-se para trás e diz que até há pouco estava a dormir junto à embaixada francesa em Beirute. “A minha casa não é segura para viver. Sou de Dahieh. No meu prédio, há muitas janelas e portas rebentadas pela força das explosões”, descreve. Há dias, escolheu as proximidades da Universidade Americana de Beirute para dormir. Noutros dias, é na Rua Hamra. “Os meus pais estão na aldeia da minha mãe. Embora, a tenham bombardeado três vezes é mais seguro. Ali, 80% da população é cristã”. Através do espelho retrovisor, o reflexo dos poucos candeeiros em funcionamento fazem-me descobrir lágrimas no seu rosto de 24 anos. Conta-me que 16 familiares seus a viver no Vale do Bekaa foram assassinados por Israel. Um bombardeamento destruiu o prédio onde moravam. Apenas uma criança de dois anos sobreviveu. “Acordou no hospital a perguntar onde estava a mãe e o pai. A perguntar pela família”. Diz que lhe importa pouco a religião. A família é xiita mas sente-se, sobretudo, libanês. “Estamos a viver muito, muito mal, aqui no Líbano. A guerra é muito má para todas as pessoas, não apenas para a Palestina. Mais de 43 mil palestinianos foram mortos. É um número assombroso. Ninguém quer saber deles”.

Israel ataca centros médicos

À espera da chegada de Kamel Mohana, a secretária aponta para a fotografia do presidente da associação Amel com o Papa Francisco no Vaticano. Fundada em 1979 como resposta à invasão israelita do Líbano do ano anterior, esta organização abriu hospitais de campanha, maternidades, escolas e centros médicos para dar apoio à população mais carenciada, independentemente de credos religiosos ou políticos. Durante a guerra civil que afetou o Líbano, a Amel conseguia estar nos diferentes campos em confronto. Hoje, com 40 centros e 12 unidades médicas móveis, é uma das maiores associações do país a dar resposta a um cenário, uma vez mais, terrível.

Sentado na sua secretária, Kamel Mohana explica que é pediatra, professor universitário e, para além da presidência da Amel, assume a coordenação geral da Rede de Organizações Não-Governamentais Libanesas e Árabes.

“Temos 1.800 trabalhadores para enfrentar esta catástrofe humanitária, uma verdadeira catástrofe humana, porque temos 1,2 milhões de deslocados internos no Líbano. Todas estas pessoas vieram do sul para Beirute, de Bekaa para Beirute, para as montanhas do Líbano e para a Síria”, explica. “Tentamos desenrascar-nos sozinhos. Infelizmente, temos a tradição de trabalhar em emergências no Líbano. Estamos a trabalhar há 55 anos em situações de emergência. Temos cerca de 200 mil deslocados em escolas. No Líbano, estamos a viver, desde a explosão no Porto de Beirute em 2020, uma espécie de colapso económico”.

Para Kamel Mohana, é urgente um cessar-fogo e pede à comunidade internacional para “exercer pressão” e “se ponha fim a esta agressão”. Também pede apoio para o Líbano. “A situação é muito grave e as possibilidades agora são muito modestas”, antecipando os problemas que podem surgir no inverno. Para já, as necessidades são enormes: medicamentos, alimentos, cobertores, entre tantas outros objetos. “Tudo o que fazemos não é suficiente”, garante.

A meio de graves acusações contra Israel por atacar centros médicos e trabalhadores de emergência, o presidente da associação Amel denuncia que os seus centros foram já atingidos cinco vezes. Também várias escolas. Uma delas com 600 crianças em Nati foi alvo da artilharia israelita. Isto coincide com relatos das ameaças de Israel contra ambulâncias no sul do país, alegando que estariam a ser utilizadas indevidamente pelo grupo armado libanês Hezbollah. Segundo a Al Jazeera, o porta-voz do exército israelita, Avichay Adraee, afirmou que “elementos do Hezbollah estão a utilizar ambulâncias para transportar combatentes e armas”. Não apresentou qualquer prova da sua acusação. “Apelamos às equipas médicas para que evitem o contacto com os membros do Hezbollah e não cooperem com eles”, afirmou. O exército israelita “afirma que serão tomadas as medidas necessárias contra qualquer veículo que transporte indivíduos armados, independentemente do seu tipo”.

Mas o mais grave são os ataques que Israel desfere contra os trabalhadores de emergência. Até ao fecho desta edição, 178 médicos e outros trabalhadores do setor sanitário foram mortos no Líbano desde o início do conflito entre Israel e o Hezbollah há um ano. No total, há quase 3 mil pessoas em todo o país, entre as quais 183 crianças, que perderam a vida devido aos ataques israelitas.

De acordo com Kamel Mohana, Israel trata os hospitais e centros médicos no Líbano como alvos militares, algo que é considerado crime de guerra. “Querem fazer o mesmo que fizeram em Gaza”, denuncia. “A única resolução definitiva para o conflito é o reconhecimento dos direitos do povo palestiniano. “Esta é a causa de todos os problemas na nossa região”, explica. “Há que reconhecer as resoluções das Nações Unidas”.

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