No DN, por exemplo, um dos jornais próximos do regime, conta-nos Silva Pires (na altura, um jovem aprendiz), que os jornalistas, de manhã, quando se dirigiam à redação e recebiam das mãos da secretária o serviço do dia, num envelope fechado, onde estava a descrição do serviço e alguns recortes de jornais, já estavam condicionados pela agenda do regime. Depois, havia a eficácia da autocensura e, quando esta se esbatia, a repressão da PIDE, a suspensão ou o encerramento dos jornais.
Como refere Arons de Carvalho (“A Censura à Imprensa na Época Marcelista”) entre 1926 e 1972 o Decreto fundamental da Legislação de Imprensa institui a censura prévia, define as autorizações prévias para a fundação de jornais e exercício da profissão de jornalista, a repressão judiciária e administrativa, a apreensão e os direitos de resposta.
A repressão judiciária, primeiro através de julgamento em Tribunal Militar e depois nos Tribunais Plenário, tinha os seus resultados. Refere Graça Franco (“A Censura à Imprensa”) que o controlo dos serviços de censura sobre o exercício da profissão de jornalista dava os seus frutos. Em apenas um ano (1934 a 1935) os 101 jornais situacionistas passavam a 148, os 69 considerados neutros eram reduzidos para 43 e os 81 considerados anti situacionistas restavam 56. O lápis censório não deixava de fora fotografias. A Censura “exercia-se a nível das cartas confidenciais, das circulares, por vezes das simples indicações verbais da Presidência, numa teia complexa de proibições”. A carta a Salazar do diretor do DN em novembro de 1938 é esclarecedora. João Amaral escreve: “reputo impossível trabalhar nestas condições humilhantes”.
A hipocrisia de Salazar está patente na entrevista a António Ferro, no DN, em 1933. António Ferro, escritor, jornalista, político, diplomata, simpatizante dos ideais fascistas de Mussolini, precursor do Secretariado Nacional de Informação, SNI – que juntamente com ao Secretariado da Propaganda Nacional, a Censura e a PIDE formam um dos pilares do salazarismo -, pergunta ao ditador se com a aprovação do texto constitucional “não terá chegado o momento de acabar com a censura?”. Salazar responde: “Compreendo que a Censura os irrite, porque não há nada que um homem considere mais sagrado do que o seu pensamento e a expressão do seu pensamento” e adianta a criação de “um bureau de informações”, que acabaria por ser o SPN, “a que os jornais poderão recorrer, quando quiserem para se munirem de elementos necessários à análise e até à crítica da obra do Governo”.
Em Marcelo, o discurso não difere muito. Ana Cabrera (“Marcello Caetano: Poder e Imprensa”) refere que “Marcelo não encara a possibilidade de os meios de informação serem independentes do Estado. Na base desta atitude está a ideia de intencionalidade que preside à informação, aliada ao facto de considerar que só o Governo está na posse da informação que interessa aos cidadãos (…) e encara os meios de informação como meros executores e transmissores, acríticos, dessa informação”.
Arons de Carvalho (“A Censura à Imprensa na Época Marcelista”), explica com minúcia a proposta de Lei de Imprensa dos deputados da Ação Nacional Popular, Francisco Balsemão e Sá Carneiro em Abril de 1970, que acaba fundida com a do governo e o parecer da Câmara Corporativa. Diz Arons, “dá-se-lhe um novo nome – ‘Exame Prévio’ – esconde-se-lhe a ação – proibida a frase ‘Visado pela Censura’”, mas na verdade tudo permanece igual.
Quatro anos depois, como disse recentemente o comunista Domingos Abrantes em entrevista à Antena 1, o 25 de Abril “veio dar luz à vida de um povo”. Assim acontecia também nas redações. As portas abrem-se para a rua. Os jornais multiplicam edições, às vezes mais do que uma edição diária, os jornalistas trabalham noite e dia para levar informação do que se passa no país à população, sem censura. A informação é muita porque a agenda está na rua. O Programa do MFA acaba com a censura e exame prévio, garante a liberdade de reunião e de associação, de expressão e pensamento, tudo consagrado na Lei 2/74 de 14 de Maio. Mesmo antes de uma nova Lei de Imprensa, Rádio, Televisão, Teatro e Cinema, os plenários de redação multiplicam-se. Em 1976 os jornalistas adotam como regra essencial da profissão o respeito pelo seu Código Deontológico, os Conselhos de Redação, a profissão ganha dignidade. A Constituição da República Portuguesa de 1976 consagra a Liberdade de Expressão e Informação, a Liberdade de imprensa, salvaguarda a independência dos meios de comunicação social do Estado, perante o Governo e a Administração Pública, consagra o Direito de antena na Rádio, na Televisão dos partidos políticos, das organizações sindicais e profissionais. E depois, os direitos sindicais abrem a porta à consciência de classe e à proliferação de lutas pelos direitos laborais. Em suma, o Mundo das redações ganha finalmente Luz no Abril de 1974.