Aconteceu, fez agora 90 anos, na noite de 23 de Abril de 1934.
Seu nome era Manuel Vieira Tomé.
Vítimas de tortura
Dois anos depois, o então secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, estava encarcerado no forte de Angra do Heroísmo. Foi ali que escreveu a sua contestação ao tribunal militar que o condenaria como preso político.
Bento aproveitou esse documento para evocar vários opositores torturados pela «PIDE». E foi com esta frase que começou:
“Entre o cortejo de vítimas da Ditadura fascista eu recordo aqui: Manuel Vieira Tomé, velho militante sindical, ferroviário, preso em 1934 e espancado tão barbaramente durante 12 dias de incomunicabilidade, após o que pereceu, «enforcado» no segredo do Aljube” [O Militante, Fevereiro 1971, p.4].
Segundo os registos policiais, Manuel Tomé nem esteve tantos dias nas mãos da «PIDE»: foi preso a 16 de abril e morreu a 23 [Arquivo PIDE/DGS, cadastro político nº1879].
Mas Bento Gonçalves nunca teria possibilidade de consultar esses registos. Morreu no campo de concentração do Tarrafal, seis anos depois…
Relatório de autópsia
O «Socorro Vermelho» era uma organização clandestina, ligada ao PCP, que se dedicava a apoiar os presos políticos e suas famílias. Por outro lado, procurava denunciar a repressão.
Perante a morte de Manuel Tomé, a máquina de propaganda do regime entrou em ação. A notícia foi que ele se tinha suicidado na prisão do Aljube, enforcando-se.
E foi isso que a «PIDE» registou no respetivo “cadastro político”.
Mas o «Socorro Vermelho» conseguiu ter acesso ao relatório médico de autópsia. E denunciou o homicídio.
Um dirigente do Socorro Vermelho à época, Vasco de Carvalho, contaria mais tarde: “pelo relatório da autópsia obtivemos a prova de que [Manuel Tomé] fora torturado: os vincos que apresentava no pescoço indicavam que o instrumento que o estrangulara estava perpendicular à coluna vertebral. Ora quando uma pessoa se enforca, os vincos são inclinados em relação à coluna vertebral. Portanto ele fora estrangulado na Polícia” [Público, 02.05.2004, p.16].
Sindicalismo
Mas, além de ter sido vítima da repressão, quem foi Manuel Tomé?
Ribatejano, salientou-se como dirigente do sindicato do pessoal da CP entre 1918 e 1920. Foi um período de profunda crise social, exponenciada pela 1ª Guerra Mundial.
Travaram-se duras greves de trabalhadores ferroviários. Sobretudo pela recuperação de salários dizimados pela inflação.
Portugal conheceu então a ditadura de Sidónio Pais. Quando este foi assassinado, a facção monárquica do seu regime lançou o país numa guerra civil que culminou na restauração da 1ª República.
Além das lutas laborais, Manuel Tomé participou nessa altura numa ação de solidariedade com a Revolução Russa. E apoiou a luta armada em defesa da República.
Ditadura Militar
Manuel Tomé voltou a salientar-se como sindicalista sob a ditadura militar. Depois de já ter sido preso político.
Em 1929 e 1930, foi um dos dinamizadores de três iniciativas que procuraram defender a unidade e a existência legal do movimento sindical. Quando este estava enfraquecido pelas suas divisões internas e pela repressão.
A primeira dessas iniciativas surgiu em resposta a uma ilegalidade da Câmara Municipal de Lisboa. Esta pretendeu cobrar aos sindicatos, pelas suas sedes, o mesmo alvará que cobrava a espaços comerciais como hotéis, restaurantes e casas de espectáculo.
Manuel Tomé integrou uma “comissão delegada” que conseguiu travar essa medida, reunindo o apoio de 31 sindicatos.
A segunda iniciativa foi uma “Comissão Pró-defesa da Lei de Desastres no Trabalho”. Contou com a adesão de 44 sindicatos.
Seguiu-se a criação de uma nova «Federação Nacional dos Trabalhadores dos Transportes e Comunicações». Manuel Tomé foi um dos seus principais fundadores.
Depois, voltou a ser preso político e ainda foi presidente do sindicato dos empregados de escritório.
E também foi presidente da cooperativa Caixa Económica Operária, aqui na rua d’A Voz do Operário.
Fascismo
Em 1933, a ditadura militar transformou-se num regime de tipo fascista. E decretou a dissolução forçada dos sindicatos livres.
Foi para resistir a isso que se tentou uma greve geral no dia 18 de janeiro de 1934. Movimento em que Manuel Tomé participou, numa ação de sabotagem para parar a circulação de comboios às portas de Lisboa, na linha do Norte.
Também fez parte de um grupo clandestino, ligado ao oficial republicano Sarmento Beires, o qual procurou organizar um levantamento armado para derrubar a ditadura.
A Voz do Operário
Embora manietado pela censura, naquele ano de 1934, o jornal A Voz do Operário não deixou de prestar homenagem a este seu vizinho, referido assim a sua morte:
“Há notícias que pela brutalidade nos chocam profundamente. Foi o que nos aconteceu quando no dia 26 de Abril nos deram a dolorosa notícia de que Manuel Vieira Tomé já não pertencia ao número dos vivos.
Espírito culto, elemento ativo na organização operária, não nos permite a comoção neste momento que rendamos à sua memória o preito merecido à sua vida de intensivo labor pela causa dos que sofrem.
O seu funeral realizado a 27 foi muito concorrido, nele se tendo incorporado não só muitos elementos da classe operária, como em grande número o pessoal da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, onde o extinto exercia a sua atividade.
À família enlutada apresentamos os nossos mais magoados sentimentos” [A Voz do Operário, Junho 1934, p.2].