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Privatização da ANA Aeroportos: um assalto em curso

O relatório da Auditoria do Tribunal de Contas (TC) à privatização da ANA é um bom exemplo do Estado a que – verdadeiramente – chegou este país.

O TC demonstra como mais de vinte mil milhões foram desviados do erário público para os bolsos dos accionistas da Vinci. Sim, vinte mil milhões. De euros. O suficiente para construir DUAS linhas de Alta Velocidade Lisboa Porto, mais DOIS Aeroportos Internacionais, mais a TTT Lisboa-Barreiro e ainda salvar outra vez a TAP. 

E no entanto, quase nem se falou do assunto. Ninguém está preso. O Chega não está indignado. Montenegro não propõe criar um grupo de trabalho para evitar o desperdício de recursos públicos. A Comunicação Social mostra o quão dominada está ao fingir não ver o elefante na sala. O PCP propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Aqueles que a propuseram e exigiram por causa de uma indemnização de 500 mil euros – PSD, CH, IL -ignoram agora um roubo 40000 vezes maior (sim, quarenta mil vezes maior).

O relatório do TC destacou assim mais que um roubo. Deixa exposta a teia de cumplicidades necessária para que um roubo desta dimensão aconteça.

O conteúdo de um Relatório

O Relatório deve ser lido. Está no sítio do TC. O que aqui deixo é um breve resumo.

O TC começa por precisar o valor da venda, que foi de 1,2 mil milhões e não os 3,08 mil milhões anunciados pelo governo na altura. E ainda aponta a ilegalidade de um desconto de 71,4 milhões de euros. Destacando que em 9 anos a multinacional já arrecadou mais 300 milhões que aquilo que pagou, quando lhe sobram 40 anos de concessão.

Para continuar demonstrando que a divisão dos resultados da concessão (incluindo na receita pública o produto da venda da empresa e da venda da concessão mais as receitas a partilhar do 11° ao 50° ano da concessão) eram uns inacreditáveis 79% para a multinacional e 21% para o Estado. Com a multinacional a embolsar um total superior a 20 mil milhões. (E já se demonstrou que usando nestes mesmos cálculos não a taxa de rentabilidade média apurada nos 9 primeiros anos de concessão, pois a pandemia reduziu-a artificialmente, mas a taxa de rentabilidade de 2019 ou 2022, esses números sobem para 30 mil milhões!)

Depois, o TC aponta o dedo à forma como o Governo de então – um PSD/CDS de má memória – nomeou uma administração nova para a ANA só para conduzir a privatização, de como essa administração é publicamente contratada pela multinacional DURANTE O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO para continuar na empresa DEPOIS da privatização (com salário reforçado, naturalmente), e de como a ANA vai mudar a sua opinião sobre a candidatura da Vinci, que passa de “irrealista e irrealizável” para primeira escolha.

De como, já com o Governo PS, um desses administradores da ANA privatizada irá presidir à ANAC (o regulador do sector) e outra à NAV (que daria o parecer técnico determinante sobre o Aeroporto do Montijo). E de como o Governo escolheu ignorar os sucessivos alertas do TC sobre a incompatibilidade dessas nomeações.

O TC vai ainda alertar para o “risco material de falta de fidedignidade da documentação” que lhe é enviada, apontando inconsistências e suspeitas. É evidente que o tempo decorrido entre a privatização e a sua Auditoria foi excessivamente longo (agravado por uma disposição plantada no decreto-lei de privatização que só exigia a preservação dos documentos por 5 anos), mas da Auditoria também se depreende que houve intencionalidade. Por fim, já no campo mais político, o TC ainda sublinha o facto de a privatização da ANA ter sido realizada numa União Europeia onde essa não é a prática, havendo então apenas 1 país com a infraestrutura privatizada, o Chipre, e sendo actualmente 3 países. Que aqueles que no Pacto das Troikas nos quiseram impor essa condição não a pratiquem em casa explica muito do que é, de facto, a UE. E das consequências para o país da submissão à UE.

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