Sociedade

Pobreza

Plano de Recuperação e Resiliência: mais do mesmo

Os últimos anos preencheram-se de pretextos para a degradação das condições de vida da larga maioria da população: a crise de 2008 que aparentou surgir magicamente, a pandemia por Covid-19, agora a guerra na Ucrânia. Transversalmente, estes motivos são tratados como inevitabilidades que atingem toda a gente, lembremo-nos da metáfora particularmente celebrizada nos primeiros meses da pandemia por Covid-19 – estamos todos no mesmo barco.

Depressa percebemos que existem muitos barcos diferentes e, ao longo destes últimos quinze anos, enquanto a exploração, a pobreza e a guerra nos vêm sendo apresentadas como fatais, os lucros de alguns continuam a aumentar insultuosamente. Enquanto se torna impossível, para a maioria trabalhadora, comprar carne, abastecer o carro ou ligar um aquecedor, Sonae, GALP, EDP, entre outros tantos, perdem a conta à soma dos seus ganhos.

E de que forma se relaciona isto com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)?

Desde 2021, e marcando significativamente os últimos processos eleitorais, o PRR tem sido apresentado pelo Governo como “a” solução – novamente mágica – para os problemas e necessidades do país. São 16 milhões de euros que, ao contrário de responderem à crise socioeconómica que nos assola atualmente, vêm servindo apenas, e mais uma vez, para responder aos objetivos que, na cúpula do poder, a União Europeia decidiu que seriam os nossos. Acontece que a pensão de 290,00€ da Srª. Maria, o teto a cair na habitação do Sr. António, ou os dois salários mínimos que não chegam para o João e a Rosa subsistirem com o seu filho menor, necessitavam de uma resposta articulada e planeada de acordo com estas realidades concretas, e não de um plano que entregue as suas verbas aos mesmos critérios políticos que nos conduziram até aqui – salários e pensões insuficientes, carência habitacional e alimentar, pobreza energética, falta de cuidados de saúde…

Em outubro passado, o Instituto da Segurança Social convocava as IPSS para uma sessão de esclarecimento sobre a abertura de um processo de candidatura, ao abrigo do PRR, para respostas sociais que visavam, essencialmente, o alojamento de pessoas em situação de sem abrigo – quase que numa metáfora premonitória do que aí vem. Não nos equivocamos sobre a necessidade urgente de dar resposta a esta população, mas o trabalho terreno alerta-nos diariamente para o cariz sistémico e estrutural deste problema. 

De nada nos serve o alojamento institucional das pessoas em situação de sem abrigo quando se nega a regulamentação do mercado habitacional, quando o controlo e a fixação dos preços dos alimentos é rejeitado, ou quando o aumento tímido de salários e pensões não responde minimamente ao aumento do custo de vida. Enquanto não estiver garantido o acesso à habitação, ao trabalho com direitos e salário digno, a uma reforma justa para aqueles que trabalharam uma vida inteira, a um Serviço Nacional de Saúde capaz de responder às necessidades físicas e psicológicas da sua população, a uma alimentação equilibrada… o alojamento institucional das pessoas em situação de sem abrigo será um fim em si mesmo, jamais um recurso temporário e de transição para uma vida autónoma.

Ao invés de uma intervenção social emancipatória que autonomize indivíduos, grupos e comunidades, o PRR vem perpetuar a linha de ação assistencialista que tão bem já conhecemos. O neoliberalismo desequilibra a distribuição de bens e serviços, seja a casa, a alimentação ou a saúde, enquanto, em paralelo, coloca pensos rápidos muito precários sobre as desigualdades sociais que ele próprio fomentou. A intervenção social possível neste cenário, mesmo por parte daqueles que ambicionam um desenvolvimento social aprofundado, continua a procurar ainda, e demasiadas vezes, garantir as condições de sobrevivência dos indivíduos, deixando para depois a construção dos seus caminhos de capacitação.

Artigos Relacionados