As emoções, de pequenos e graúdos, são hoje reconhecidas como tendo um papel mediador fundamental na relação educativa que os humanos estabelecem, influenciando o barómetro das decisões que, de forma mais ou menos racional e ponderada, são tomadas neste processo.
Existe uma imensa variedade de emoções às quais damos nome, contudo, quando tentamos agrupá-las nas suas formas mais primárias, a ciência identifica frequentemente 4 emoções base, das quais todas as outras decorrem: alegria, raiva, tristeza e medo. Ao olharmos para a vivência humana de cada uma destas emoções, importa pensar sobre o porquê de serem tão primordiais, qual a importância de serem vivenciadas durante a infância e qual o papel dos adultos na experiência emocional das crianças. Outro elemento, muitas vezes negligenciado, é o da vivência emocional do adulto na relação com a criança, particularmente quando assume um papel parental.
Partindo de um princípio de eficácia de adaptação ao meio, assumimos que cada uma destas 4 emoções tem um papel de promoção da sobrevivência da espécie, no contacto com o meio. Experimentemos então olhar para o papel que, de forma aqui bastante simplificada, cada uma das emoções básicas desempenha, na vida da criança.
A alegria visa criar comportamentos e condutas que promovam a vivência de determinada experiência, repetindo-a em novos momentos e oportunidades. Ao sentir alegria, a criança sente-se impelida a repetir a experiência, a continuar a viver aquela emoção, tentando manter-se ligada ao objecto que origina o momento. Quando esse objecto é outra pessoa, nomeadamente o pai ou a mãe, a criança assume, involuntariamente, expressões corporais e faciais e transmitem uma mensagem de eficácia e consequente atração, no adulto.
A raiva activa frequentemente mecanismos de auto-preservação e auto-defesa perante uma experiência adversa, servindo de estímulo a comportamentos de reacção face ao objecto agressor, na tentativa de cessar activamente essa agressão. Quando a criança sente raiva, ela manifesta-se frequentemente numa linguagem corporal que transmite sinais de alerta ao adulto. O choro, gritos, birras, a utilização expansiva do corpo, são formas frequentes de expressar uma raiva que é muitas vezes difícil de processar por parte do adulto.
A tristeza permite vivenciar a perda e a impossibilidade da continuidade de relação com um objecto significativo. É a emoção que permite a vivência da reparação necessária, o aprender a viver sem. Quando esta emoção é vivida pela criança, invoca muitas vezes movimentos de aproximação e cuidado por parte dos pais, que não poucas vezes sentem o impulso de reparar essa perda.
O medo, à semelhança da raiva, visa invocar e mobilizar para o fim de determinada experiência. Contudo, há normalmente uma percepção de incapacidade em cessar a experiência negativa por meios próprios, havendo por isso a tendência para adoptar comportamentos de evitamento e/ou fuga.
Por alguma razão, vimos aprendendo em tempos mais recentes a considerar que as crianças pelas quais somos responsáveis, não devem sentir ¾ desta preciosa bússola emocional, sendo cada vez mais frequente ver pais que tudo fazem para evitar que os seus filhos sintam medo, tristeza ou raiva. Só a alegria parece fazer parte do imaginário da responsabilidade parental, sendo tudo o resto sinónimo de incompetência e culpa de quem educa. Por vezes, alguns pais desenvolvem uma intolerância tão grande à presença destas emoções na vida dos filhos, que frequentemente desenvolvem relações de tensão, desconfiança e até conflito com os adultos com quem partilham esta responsabilidade, nomeadamente outros familiares e a Escola.
Parece, contudo, haver uma espécie de balança, em claro desequilíbrio, que os adultos criaram dentro de si, ao longo do tempo. Uma balança emocional que pretende querer garantir para os filhos aquilo que está em défice, nos pais. Porque os mesmos pais que só admitem alegria para os filhos, frequentemente experienciam tristeza por não conseguirem corresponder às suas expectativas enquanto educadores; raiva porque os outros não correspondem ao esperado ou porque simplesmente a realidade não se dobra à fantasia; e o mais profundo e transversal medo. Medo de falhar, medo de fazer sofrer aqueles que mais se ama, medo que outros provoquem sofrimento nos filhos, medo da permanência do dano – potencialmente causado por tudo e por nada – sempre alimentado pela culpa de não se ser suficientemente bom. Medo de sentir medo. Três quartos de um todo emocional que pouco espaço deixa para a alegria parental. A alegria de poder partilhar a vida com as crianças que estão aqui porque os pais fizeram por isso. A alegria de ver o exemplo que a maioria das crianças nos dá, de como pode ser mais fácil sermos capazes de criar laços. Parece que vivemos um tempo onde os pais vivem para compensar e equilibrar esta balança que poderão ser, afinal, duas – a sua e a dos filhos.
As crianças precisam de sentir medo, raiva e tristeza para aprenderem o mais básico que a vida tem – a adaptarem-se. Nenhuma criança pode ser saudável, equilibrada e estável, sem que também estas emoções façam parte da sua vida. O papel do adulto é o de regular a relação das crianças com o mundo, ajudando-as a lidar com o que sentem, sabendo que os adultos estarão lá para elas. O papel do adulto não é evitar, a todo o custo, que as crianças sintam uma parte fundamental de si e do mundo.
Os adultos precisam de sentir alegria. Alegria na relação com os filhos, mas também alegria em ser e estar, também para si próprios. O primeiro passo talvez passe por fazermos o esforço de não nos projectarmos tanto nos nossos filhos e na experiência de mundo – que é a deles, e não é a nossa. Fazer esse esforço permitirá que comecemos a confundir menos a nossa vida com a deles, e o que sentimos com o que eles sentem. É um caminho que exige maturidade e distanciamento, para o qual estarmos rodeados de quem queira, também, cuidar de nós, será fundamental.