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Esequibo

Esequibo, a disputa territorial entre a Venezuela e a Guiana

Da Ucrânia à Palestina, tenta-se apagar o contexto histórico para que se pense que tudo começou a partir da data que mais interessa a um dos lados. Independentemente do ângulo com que se aborde a tensão entre a Venezuela e a Guiana, a crise política entre os dois países não começou este ano e não é apenas responsabilidade de Caracas e Georgetown. É, sobretudo, consequência do colonialismo europeu.

A Guiana com 214 969 km², mais do dobro de Portugal, tem cerca de 760 mil habitantes, dos quais 200 mil vivem na capital Georgetown. Foi a única colónia britânica na América do Sul. O território em disputa corresponde à região do Esequibo, que deve o nome ao rio que atravessa o país. Os mapas oficiais da Venezuela incluem este território desde que existe enquanto país e o pleito remonta ao princípio do século XIX. A cartografia da coroa espanhola incluía já o Esequibo na Venezuela. A geografia desta região com 159 542 km², e onde vivem 128 mil pessoas, está marcada por paisagens selváticas, enormes formações rochosas e rios caudalosos.

Quando Espanha colonizou esta parte da América do Sul já viviam ali várias tribos aruaques. Afetados pelas doenças trazidas da Europa pelos conquistadores e submetidos a um genocídio, a tragédia assolou as populações originárias. Em 1777, o Império espanhol fundou a Capitania Geral da Venezuela, uma divisão territorial que incluía o Esequibo. Quando, em 1811, a Venezuela conquista a independência, essa região mantém-se dentro do novo país. Três anos depois, o Reino Unido adquiriu a Guiana através de um acordo com os Países Baixos. Esse território, com apenas 51.700 km², não tinha as fronteiras ocidentais definidas. Só 29 anos mais tarde, em 1840, é que Londres designa o explorador Robert Schomburgk para definir a fronteira que acabará por receber o seu nome num traçado que faz crescer a Guiana em mais 80 mil km². É no ano seguinte que a Venezuela denuncia uma incursão no seu território. Em 1886, há uma nova versão da Linha Schomburgk que inclui uma área ainda maior.

Sem poder fazer frente ao Império britânico, a Venezuela pede ajuda aos Estados Unidos que denunciam que a fronteira da Guiana tinha aumentado de “forma misteriosa” e recomendam que a disputa se resolva através de um tribunal internacional. Em 1899, esse órgão, em Paris, decidiu a favor do Reino Unido. Os juízes eram britânicos, norte-americanos e o presidente do órgão era russo. Nenhum venezuelano participou nessa decisão. Em 1899, Caracas protestou acusando a decisão de estar viciada. Já depois da Segunda Guerra Mundial, em 1949, é tornado público um memorando do advogado norte-americano Severo Mallet-Prevost, que fez parte da defesa da Venezuela na sentença arbitral de Paris, no qual alega que a sentença foi um compromisso político e que os juízes não foram imparciais. 

Com a criação da ONU, a Venezuela aproveita o processo de descolonização de vários países para denunciar a ocupação da Guiana Esequiba. Em 1966, três meses antes de conceder a independência à Guiana, o Reino Unido assina o Acordo de Genebra com a Venezuela, onde reconhece a reivindicação da Venezuela e procura encontrar soluções satisfatórias para resolver o diferendo. Esse documento obriga as partes a chegar a um entendimento de forma acordada através da negociação. A Guiana torna-se, entretanto, independente e Londres, como fez com muitas outras colónias, incluindo a Palestina, abandona qualquer vontade de resolver o problema.

Em 1969, um levantamento indígena tenta criar um governo próprio e é derrotado pelas forças armadas da Guiana. Os rebeldes pedem ajuda à Venezuela que se abstém de intervir na região. Na época, Georgetown acusou Caracas de estar por trás da insurreição. De 1964 a 1985, o progressista Forbes Burnham, em diferentes cargos, esteve à frente da Guiana, levando o país para o Movimento dos Não Alinhados. É neste período que Fidel Castro anuncia que defende a integridade territorial da Guiana, incluindo o Esequibo.

Ao longo das décadas, houve várias negociações entre a Venezuela e a Guiana sem que se tenha chegado a algum acordo. Em 2004, Hugo Chávez, então presidente da Venezuela, visitou Georgetown e não se opôs à construção de infraestruturas no Esequibo, desde que isso beneficiasse a população local.

Em 2015, a petrolífera norte-americana Exxon anunciou a descoberta de petróleo em águas da Guiana Esequiba. Com o apoio de Washington, a Guiana muda de comportamento. Decide de forma unilateral levar a disputa territorial ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) para que reconheça a decisão viciada de 1899. Caracas argumentou que o TIJ não tem jurisdição e que foi escolhido de forma unilateral por Georgetown. Em 2016, a Exxon anuncia a descoberia de novas reservas de petróleo.

Para a Venezuela, é o Acordo de Genebra, de 1966, que está vigente e que obriga as partes a negociar. O TIJ anunciou que tinha competência para julgar o caso e rejeitou os argumentos de Caracas. Nesse sentido, em novembro, a Venezuela celebrou um referendo para perguntar aos venezuelanos sobre qual devia ser o destino do Esequibo. A esmagadora maioria defendeu que aquele território é venezuelano. Figuras importantes da oposição, incluindo Juan Guaidó e Henrique Capriles, apoiaram a pretensão de reclamar o território do Esequibo.

Nos últimos anos, graças aos ganhos com o petróleo, o crescimento do PIB na Guiana tem sido espectacular: 62,3% em 2022, 38,4% em 2023 e 26,6% este ano. Em 1966, quando assinou o Acordo de Genebra com a Venezuela, a Guiana exportava sobretudo arroz e açúcar. Hoje, produz 390 mil barris de crude por dia, quando em 2019 produzia somente mil. Neste momento, prevê-se que as reservas da Guiana tenham tanto petróleo como o Brasil inteiro.

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