Entrevista

Gabriel Esteves

“Quando um católico não for solidário, deixa de ser católico”

Em 2021, Gabriel Esteves assumiu a presidência da Juventude Operária Católica. Este engenheiro mecânico considera que é importante a transformação social e que isso não é incompatível com o catolicismo. Com a população a passar por muitas dificuldades devido aos baixos salários e ao aumento do custo de vida, esta organização procura agregar mais jovens católicos para a luta pela libertação e dignificação do meio operário.

“Enquanto católicos, sentimos essa vontade e essa importância de estarmos presentes, juntos com toda esta juventude que se considera crente.”

A pandemia e a guerra espoletaram uma crise social que contrasta com o aumento dos lucros das grandes empresas. Como é que a Juventude Operária Católica olha para este contexto?

É precisamente à volta disso que vamos estar a falar durante o próximo ano. A partir de setembro e outubro, vamos começar com o tema da emancipação jovem, em que iremos falar muito desse aspeto porque sentimos que cada vez é mais difícil para um jovem, que acaba de estudar, lançar-se para a vida. Os custos de vida estão demasiado altos, a questão da habitação está completamente impossível – já não vou dizer asfixiante – para um jovem que queira sair de casa dos pais. E depois todas as questões dos custos associados a essa mudança, os baixos salários, a precariedade que não permite a um jovem ter controlo sobre a sua vida, conseguir viver uma vida razoável, digna, estável, constituir família. E isso preocupa muito os jovens da JOC. Vamos falar sobre isso mais a fundo e tentar perceber o que a está a causar, que consequências é que tem efetivamente para a vida de cada jovem, e depois aprofundar e seguir por esse caminho para tentar conseguir alguma mudança, por pequena que seja.

Qual é o estado atual das organizações e movimentos católicos em Portugal?

Eu sinto que os jovens hoje estão pouco associados a organizações que existiram durante o século XX, que foram muito fortes e tiveram uma dimensão muito grande na sociedade. A própria JOC está com muito poucos militantes e jovens que queiram continuar este caminho. Em termos de associações juvenis católicas existem os escuteiros que têm uma dimensão ainda bastante grande. E depois existem pequenos movimentos – como a JOC, como o MCE (que é o Movimento Católico de Estudantes, que partem de uma mesma origem que a JOC, dentro da ação católica) – e, sinceramente, conheço poucos mais movimentos da Igreja Católica juvenis, com dimensão e intervenção na sociedade. Sinto os jovens – apesar de neste momento as dificuldades serem cada vez maiores – um pouco apáticos. Se calhar estão mais envolvidos de uma forma mais inorgânica em movimentos de protesto, até de questões climáticas. Os jovens estão envolvidos mas sinto que, hoje em dia, é muito difícil estar associado, estar organizado, fazer esse trabalho em movimentos e organizações.

Qual é que é a importância da Jornada Mundial da Juventude e da vinda do Papa a Portugal?

Enquanto católicos, sentimos essa vontade e essa importância de estarmos presentes, juntos com toda esta juventude que se considera crente. Vejo estas jornadas mais como um motivo para estarmos juntos, para conhecer outras realidades, para, no fundo, criar uma unidade dentro da igreja. Mas, em termos de real impacto do Papa estar presente em Portugal, que mude alguma coisa em Portugal e na realidade que os jovens vivem, penso que não terá grande impacto. É sempre importante termos contacto e estarmos presentes na vigília em que ele irá estar e decidir, mas o impacto é mais espiritual, acredito, do que um impacto concreto na sociedade.

O Papa Francisco é o primeiro papa de fora da Europa desde o século VIII. É um sinal para o sul global num mundo cada vez mais multipolar? Tem havido também declarações progressistas no âmbito do trabalho e das lutas de povos oprimidos.

Sim, nesse aspeto acho que tem sido uma voz muito importante dentro da igreja. A igreja sempre teve muita documentação produzida sobre o trabalho e há até coisas mais antigas que, se formos ler agora, talvez possam ser consideradas progressistas, mas penso que este Papa veio trazer para cima da mesa esta preocupação com os pobres, com a questão do trabalho, a dignidade do trabalho, com esta economia liberal que olha o lucro e que está a matar a sociedade. Tem vários documentos e discursos produzidos acerca disso e, nesse aspeto, é um grande exemplo para nós enquanto jovens operários ter alguém que põe isso em cima da mesa. Claro que sempre houve quem se preocupasse com esses temas dentro da igreja porque são temas fundamentais para o Homem e para a humanidade e nós na JOC temos gostado muito deste Papa. É uma inspiração, uma luz, e é apontar um caminho que para nós é muito importante.

Quais é que acha que são os desafios do futuro para a igreja?

Estamos a atravessar um mínimo histórico de pessoas envolvidas na igreja e crentes. Penso que o desafio é manter, ou seja, chegar aos jovens de uma forma que lhes responda às preocupações da sua vida. Chegar aos jovens e não só, chegar a todas as pessoas que estão afastadas e que, cada vez se querem afastar mais, porque ainda não encontraram realmente uma razão para serem católicas e que ainda não descobriram uma razão de ser para estarem na igreja. E é um grande desafio para a igreja hoje, com cada vez menos relevância, com cada vez menos pessoas, chegar, ir, estar presente, sair um pouco das igrejas e chegar aos jovens. É uma preocupação que sinto.

No atual contexto internacional, também com a guerra na Ucrânia, tem havido muitas tensões. Como é que vocês olham para este para este conflito?

Acho que não há outra resposta para um jovem católico que não ser completamente oposto a um conflito armado. E deve ser sempre prioridade dar um fim a esta guerra e não contribuir para que ela continue, com cada vez mais força, com cada vez mais violência, porque a guerra é de uns poucos poderosos mas quem sofre as consequências são milhões de pessoas que só querem ter paz, só querem estar nas suas vidas e, por questões de interesses, veem-se envolvidas numa guerra que nunca pediram. Por isso, um jovem católico tem que ser sempre a favor da paz e exigir o término da guerra o mais rápido possível.

A solidariedade é uma das bases da igreja católica. Vocês olham para a solidariedade como uma possibilidade de intervenção e transformação social?

Claro que sim. Ou seja, eu como jovem na JOC, e sempre fui da JOC e católico, de uma forma geral, fui ensinado a olhar não só para mim, para as minhas dificuldades e para o que afeta a minha vida, mas a olhar para o outro. Nós não existimos se não for em sociedade. E em relação ao outro, acho que não somos ninguém, nem vamos estar verdadeiramente realizados enquanto continuarmos a ser indiferentes ao outro, às dificuldades que o outro passa, e daí a solidariedade ser uma preocupação para qualquer jovem católico. Pode não ser tanto por uma questão económica, mas às vezes também a solidariedade como a verdadeira preocupação com o outro, o verdadeiro trabalho em comunidade, o verdadeiro espírito de união, e a JOC sempre me ensinou isso. A JOC sempre me motivou a isso. Quando um católico não for solidário, deixa de ser católico.

Artigos Relacionados