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Auchan quer despedir grevistas

Trabalhadores na Amadora foram os únicos a fechar loja do grupo no país
durante greve do setor e agora podem ser despedidos.

Segundo a dirigente sindical, estes processos têm o objetivo de intimidar os trabalhadores.

Lídia Paula de Jesus tinha acabado de chegar ao trabalho, depois de dois dias de folga, quando foi surpreendida pelo coordenador do supermercado e pela chefe de outra loja. “Barraram-me lá em cima e não me deixaram entrar ao serviço. Deram-me uma carta de suspensão. Estou em casa por tempo indeterminado”, descreve esta funcionária da loja da Auchan no centro da Amadora.
Tudo começou em janeiro quando a empresa terá despedido a trabalhadora da limpeza com as chefias a exigirem que os restantes funcionários limpassem a loja. Nos meses seguintes, estes trabalhadores aderiram a várias greves do setor e, a 28 de junho, a adesão total à paralisação acabou por fechar o supermercado.

“Eles mandaram a senhora da limpeza para casa e queriam que nós fizéssemos a limpeza sem nos pagarem mais e sem aviso prévio. Foi: ‘vocês têm de fazer e ponto’. E a gente negou-se a fazer o trabalho da senhora da limpeza porque cumprimos as nossas funções sempre. Ou seja, limpar aquilo que sujamos no nosso posto de trabalho. Eles podem ver nas câmaras, eles que peçam as filmagens”, denuncia Lídia Paula de Jesus.
Depois das greves, estes trabalhadores voltaram a fechar a loja para a realização de um plenário, como está previsto na lei, com o objetivo de discutir questões laborais. O encerramento temporário, segundo estes funcionários, aconteceu por razões de segurança, para que, entre outras coisas, a loja não fosse assaltada. Como resposta, a Auchan ordenou a transferência destes trabalhadores para outras lojas. “Enviaram-nos uma carta para uns irem para a Ajuda, outros para a Almirante Reis, eu ia para a Pascoal de Melo. Fiquei tão indignada. Isto não tem nexo nenhum. Estou há meio ano a entrar às 13 e a sair às 22. Tenho 56 anos e moro em Queluz. Já viu a que horas ia chegar a casa? Não sou nenhuma miúda”, insurge-se Lídia Paula de Jesus.
Entretanto, a Auchan decidiu mandar estes trabalhadores para casa e avançar com um inquérito prévio de suspensão de contrato para nota disciplinar que pode acabar em despedimento. Apesar dos lucros extraordinários da empresa, Lídia Paula de Jesus ganha pouco mais do que 600 euros limpos. Ainda assim, diz que lhes tiraram o prémio.

É também o caso de Carlos, trabalhador nesta loja há quatro anos. Sente-se frustrado. “No início, vinhamos trabalhar com gosto e às vezes faziamos horas a mais, sendo que no dia seguinte tínhamos de entrar muito mais cedo. E, de repente, só por causa da limpeza que nos impuseram foi tudo por água abaixo”, afirma. “Estas retaliações são para nós cedermos”. Carlos explica que a empresa não quer conversar e diz que lhes estão “a faltar ao respeito”. Tem a certeza de que os estão a usar como exemplo para meter medo aos trabalhadores das restantes lojas Auchan. “Sinto revolta mas tenho o apoio da minha equipa, estamos unidos”.

O mesmo afirma Lídia Paula de Jesus. Considera que é um atentado contra a democracia porque a greve é um direito. “Se a fazemos é por alguma razão. Eles ganham milhões e nós ganhamos tostões, mas quem dá a cara aos clientes somos nós. Ganhamos muito pouquinho”.

Entre a multidão que se juntou em frente à loja em solidariedade com estes trabalhadores numa concentração convocada pelo CESP, o sindicato do setor afeto à CGTP-IN, Lídia Paula de Jesus afirma que são muito fortes: “Somos muito unidos, os outros têm medo e nós não. Estamos aqui para o que der e vier e nós vamos ganhar isto”.

À Voz do Operário, a presidente do CESP sublinhou que esta ação em frente à loja é muito importante. “Eles são operadores. Não têm de fazer limpeza de casas de banho, têm de garantir o seu espaço de trabalho limpo caso o sujem mas não têm de fazer as limpezas”, destacou Filipa Costa. Segundo a dirigente sindical, estes processos têm o objetivo de intimidar os trabalhadores. “A Auchan lida muito mal com trabalhadores a exercer direitos. Isto é anti-democrático. Agora qualquer situação em que um trabalhor exerce os seus direitos dá despedimento com justa causa? Esta ação demonstra que se mantêm unidos perante este ataque com solidariedade dos clientes e trabalhadores”.

Por parte do PCP, na concentração, a deputada à Assembleia da República, Alma Rivera, destacou a importância da solidariedade com os trabalhadores “que estão a sofrer represálias pelo facto de terem exercido um direito que é de todos os trabalhadores que é organizar-se, sindicalizar-se e participar em plenários”. A deputada comunista recordou os “salários miseráveis” e os “horários de trabalho desregulados e com grande intensidade sem compensação e sem respeito pela sua vida familiar e pessoal”. Para Alma Rivera, estar no protesto é também “condenar este tipo de ações anti-democráticas e opressivas que o patronato tantas vezes faz recair sobre os trabalhadores e dar força e dizer que não estão sozinhos na luta pelos seus direitos”. Os comunistas fizeram uma pergunta ao governo sobre esta decisão da Auchan na Assembleia da República e a deputada recordou que os trabalhadores “têm o PCP do seu lado”.

Também na concentração, Luís Costa, eleito do BE na Assembleia Municipal da Amadora, referiu que estes trabalhadores estão a ser penalizados “de uma forma abusiva pela empresa”. Também o grupo parlamentar do BE na Assembleia da República fez uma pergunta ao governo sobre as medidas tomadas pela empresa contra os seus funcionários.

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