Voz

Festa de Rua

Milhares na festa de rua d’A Voz do Operário

Foram precisos vários meses de preparação para que a Alameda amanheça, assim, vestida de Voz do Operário. Foi um momento único para celebrar os 140 anos do nascimento de uma das mais importantes instituições das regiões de Lisboa e Setúbal. Como uma montra, em cima do extenso verde, dezenas de espaços reproduzem aquilo que é A Voz do Operário, com atividades dinamizadas pelos trabalhadores e sócios, em coletivo, que trazem famílias e muita gente que toma contacto, pela primeira vez, com a instituição.

À frente de um desses espaços está Ana, uma das professoras do 1.º ciclo do Espaço Educativo da Ajuda, que explica que tipo de dinâmica está a promover com outras trabalhadoras. “Tentámos fazer jogos que pudessem incluir todas as famílias e que fossem fáceis de perceber e de integrar toda a gente. Temos um jogo em que eles têm que lançar o dado e ver quem chega primeiro à meta, podem jogar quatro jogadores ao mesmo tempo. Temos também um jogo do galo gigante e temos depois, ali para os mais pequeninos, um jogo sensorial com diferentes texturas para eles poderem sentir com as mãos e com os pés”, descreve.


Para esta trabalhadora d’A Voz do Operário, esta festa, para além de ser um importante momento de convívio e de permitir estar noutro contexto com as famílias, é também uma oportunidade para conhecer pessoas de outras escolas. “É muito importante porque estamos num momento descontraído, em que todos nos vamos conhecendo, conversando e, mesmo em relação às famílias que estão connosco diariamente, o ser fora da escola, o ser um momento muito descontraído possibilita-nos conhecermo-nos melhor”.


Mais à frente, encontramos Cândida Jorge, professora de português e história no Espaço Educativo da Graça, que nos explica que as atividades em curso se desenrolam ao redor da plasticina e pintura, mas também de atividades com o professor de educação física. Também esta trabalhadora considera que é um momento importante. “Para já porque parte de uma premissa que nós temos que é a partilha com a comunidade. Depois, 140 anos é obra, não é? E portanto é um momento de convívio, mais um que nós vamos promovendo com as famílias”.

Entre os muitos espaços não podia faltar o do Centro de Convívio d’A Voz do Operário, dedicado à população idosa. Diogo Faustino, animador regular deste setor, explica que, à hora que falámos com ele já houve uma história contada às crianças e aos utentes do Centro de Convívio por Elsa Serra, uma das parceiras nas atividades d’A Voz do Operário. Da parte da tarde, é a vez do projeto Royal Cine procurar que os utentes façam uma cobertura do evento da instituição.


Outra das zonas que procura recriar aquilo que se faz n’A Voz do Operário está a cargo do ATL. Catarina Lourenço, animadora, explica que há uma zona de construção em cartão. “Aqui, eles podem construir coisas a partir do lixo, tudo o que sejam desperdícios. Foi feita uma recolha pelos pais e pelas crianças. Ali ao fundo temos uma barricada de brincadeira, onde eles têm brincadeiras mais espontâneas, ou seja, também com desperdícios, pneus, paletes, com areia em que eles podem desenvolver a sua criatividade também nas brincadeiras”, descreve. “Isto acaba por representar também o nosso projeto enquanto ATL, é isto que nós fazemos com eles. É importante e acho que todos nós, que trabalhamos n’A Voz do Operário, sentimos que gostávamos que as pessoas à nossa volta conhecessem um bocadinho aquilo que fazemos, e é importante trazer para a rua estes projetos educativos e outras vertentes d’A Voz do Operário para que a comunidade se possa envolver”.

Noutro espaço, contam-se histórias, constroem-se fantoches, através de uma variedade de materiais que levam as crianças a apostar na expressão plástica, é o que explica Alcina Santos, trabalhadora d’A Voz do Operário no Laranjeiro há quase oito anos. Diz-nos que qualquer interação entre pessoas “é sempre importante”, sobretudo “fora do contexto” a que estão habituados, “na escola, com as famílias, com as equipas”. Mais importante ainda, explica, é ninguém se fechar porque “a escola é precisamente isto, é muito mais vasto”. Para Alcina Santos, esta iniciativa “enriquece” tanto o trabalho d’A Voz do Operário como o relacionamento com as pessoas. E mostra-se satisfeita por ter-se já cruzado com alunos e pais. E é com eles que vamos falar.


Pelo caminho, muitas pessoas trazem o seu farnel e estendem toalhas no chão para montar o piquenique no relvado. Do Laranjeiro, Marlene explica que tem a filha no Espaço Educativo d’A Voz do Operário nesta freguesia de Almada. “Viemos para passar o dia com ela, participar nos jogos tradicionais e passar um momento em família”, diz. Para esta mãe, a iniciativa é “um bom convívio entre os pais e os filhos e a escola”, permitindo conhecer melhor os educadores e para reconhecer n’A Voz do Operário um trabalho “para desenvolver as capacidades [das crianças]” em vários âmbitos.


Atrevemo-nos a interromper a dinâmica de outra família e falamos com Gerson Fonseca, também do Laranjeiro. “A nossa pequenina frequenta A Voz do Operário e, como são os 140 anos d’A Voz do Operário, a gente veio cá”, explica. Contente com a iniciativa, destaca os jogos tradicionais, um dos atrativos desta festa que junta pequenos e graúdos em várias brincadeiras. O jornal A Voz do Operário, que dá nome à instituição, não deixou de marcar presença nesta festa. Este título, fundado em 1879, distribuído a muitos dos visitantes, chega mensalmente à casa de todos os sócios. Foram muitas as conversas de gente interessada em conhecer esta publicação.

Associativismo em festa com A Voz do Operário

Duas crianças saltam à corda, outras brincam ao jogo do enrola, do burro, também das argolas, do pião, do arco e da gancheta. Não falta a tradicional corrida de sacos e as andas verticais e horizontais. Para além dos espaços próprios da instituição, várias outras organizações e coletividades decidiram juntar-se à iniciativa num dia que pretende também celebrar o associativismo e a relação d’A Voz do Operário com as forças vivas da cidade e do país.


Valter Santos, vice-presidente da Federação Portuguesa de Jogos Tradicionais, que organiza estas atividades, defende que a iniciativa é um sucesso. De facto, chega cada vez mais gente à Alameda e este dirigente associativo entende que há que defender este tipo de jogos porque fazem parte da nossa cultura e promovem uma vida saudável e ativa.

Mais abaixo, encontramos a secção de xadrez da Associação Desportiva e Recreativa “O Relâmpago”, uma coletividade amiga d’A Voz do Operário. Paulo Dias é o responsável e explica-nos que é uma modalidade com muita adesão no Relâmpago. Enquanto constrói tabuleiros e peças de xadrez com materiais recicláveis, explica que é um jogo essencial. “Em alguns países, têm-no como modalidade obrigatória na escola e faz parte do currículo, ou seja, uma parte da nota, por exemplo, de matemática está relacionada com o xadrez. Na Roménia”, sublinha. Considera que em Portugal a situação está a melhorar mas que é uma atividade “ainda um bocado vista como um de meio de nicho”. 


Não é a primeira vez que esta associação desportiva colabora com A Voz do Operário no âmbito do xadrez. No ano passado, organizaram uma semana dedicada a este jogo junto das crianças. “Nos primeiros dias, aprenderam as regras e os movimentos. Depois, foi uma oficina de construção em que os miúdos do ATL puderam fazer as peças à sua maneira, modelar, pintar as peças, pintar os tabuleiros, ou seja, um bocado também de consciência ecológica, usar os materiais de uma forma construtiva e criativa mais direcionada para o xadrez”. Ao seu lado, Euprémio Scarpa, presidente do clube, valoriza a iniciativa d’A Voz do Operário e destaca que ocupar o espaço público “deve ser valorizado”.


Outras das associações que se quis envolver no aniversário da instituição foi a Oficina do Cego. Quem trouxe as suas t-shirts ou sacos pôde estampar o logótipo do 140.º aniversário através de um processo manual de impressão com a ajuda dos membros desta associação de artes gráficas. À conversa com Nuno Ramos, explica-nos que o objetivo da Oficina do Cego, já com mais de uma década, é promover técnicas tradicionais das artes gráficas, impressão e encadernação, entre outras. Vários dos associados são pais de alunos d’A Voz do Operário e já havia a ideia de uma possível colaboração, “até por causa de A Voz ter começado com o jornal e a tipografia ser uma das coisas que nos interessa”, justifica. Diz que “com todo o gosto” decidiram montar esta pequena oficina e está muito contente com a decisão de ter a sua filha na instituição. “Costumo dizer que foi a melhor decisão que tomámos em termos de escolha de uma escola, estamos mesmo muito contentes. Não só pelo lado pedagógico da escola mas também pelas relações que se criaram entre os alunos, os professores, entre os pais dos miúdos que lá estão, para nós tem sido assim uma bela experiência”.

Do outro lado, numa das pontas do relvado, vários adultos e crianças exercitam técnicas de artes marciais com Tiago Hirth e Rodrigo Melão Dias, professores de Aikido n’A Voz do Operário. Fazem parte da Associação Portuguesa de Aikido e Disciplinas Associadas (APADA) e dão aulas todas as semanas na instituição para crianças e adultos. Neste momento, encontram-se a dar uma aula aberta de aikido. “Com alguma rotatividade”, explica Tiago Hirth, “em que as pessoas entram e fazemos uma aula de uma hora e meia, vão praticando um bocadinho, que é o espírito da festa d’A Voz do Operário, para verem o que bom se faz”. Para este professor de artes marciais, é importante haver cultura e partilha com instituições como A Voz do Operário “que já tem um peso na sociedade há tanto tempo, é bom mostrar o trabalho que se faz e é bom mostrar a oferta que têm vindo a ter”.

Milhares dançam com Sebastião Antunes e Quadrilha e Clã

Da parte da tarde, a festa enche-se ainda de mais gente que quer também assistir aos concertos programados para a celebração do 140.º aniversário d’A Voz do Operário. Antes da música, Nuno Abreu, diretor geral da instituição, recorda que esta festa foi construída pelos trabalhadores, sócios e um conjunto vasto de pessoas, não deixando de agradecer a todos e também às várias associações, empresas e autarquias, pelo seu valioso contributo para este momento de afirmação d’ A Voz do Operário na comunidade. Por sua vez, Manuel Figueiredo, presidente da direção d’A Voz do Operário, sublinha que as comemorações começaram a 13 de fevereiro, data de aniversário, e que se vão prolongar por todo o ano. “Como sabem, A Voz do Operário foi fundada há 140 anos pelos operários, na altura na grande luta que travaram contra a exploração, foi uma instituição que veio até aos dias de hoje com uma grande atividade em várias vertentes, desde logo a vertente letiva, a vertente cultural, e temos a publicação de um jornal que é um dos jornais mais antigos publicados em Portugal de forma regular. A Voz do Operário vai continuar a prosseguir neste grande trabalho, neste grande legado dos seus fundadores”, conclui.

Depois, o tempo foi dos instrumentos e das vozes, com os amigos, sócios e trabalhadores, entre famílias, dançarem e cantarem em coro as canções de Sebastião Antunes e Quadrilha e dos Clã [entrevista nas págs. 10 e 11]. Um dia que acabou como começou, de coração cheio, e com um projeto que, apesar de forjado há 140 anos, é de futuro.

Artigos Relacionados