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História

Uma obra de Lénine em Portugal, em 1912

Em Janeiro de 1912, A Voz do Operário foi pioneira na divulgação de uma obra de Lénine em Portugal, numa iniciativa seguida por outros três jornais operários de Setúbal e do Porto.

Trata-se de um relatório à Internacional Socialista (a “2ª Internacional”), elaborado em Novembro de 1911, em representação do Partido Operário Social-Democrata da Rússia. Recordava os seus deputados que tinham sido presos, poucos meses depois de serem eleitos, em 1907. Dois deles tinham morrido na prisão.

Na Rússia dos czares

A Rússia vivia ainda sob a monarquia czarista, regime particularmente retrógado e opressivo no contexto da época. Uma derrota militar frente ao Japão detonou uma profunda onda de contestação social, operária e camponesa – a Revolução de 1905 -, que foi brutalmente reprimida. Mas o regime ficou enfraquecido e viu-se forçado a encenar algumas reformas. Em 1906, permitiu a eleição de uma espécie de parlamento, embora sem poder efetivo e que acabou por dissolver em menos de três meses.

As forças mais à esquerda tinham boicotado essas primeiras eleições. Mas decidiram participar, quando o regime czarista convocou novo sufrágio, em 1907.

Apesar de todas as restrições do processo eleitoral, o Partido Operário Social-Democrata, numa fase de unidade entre as suas correntes menchevique e bolchevique, conseguiu eleger mais de 50 deputados e terá sido mesmo a força mais votada na Geórgia, então província do “Império do Czar”.

Mais tarde, em 1912, é que os bolcheviques se organizaram como partido independente, com o nome de “Partido Operário Social-Democrata da Rússia (Bolchevique)”, o qual, em 1918, se passou a chamar “Partido Comunista (Bolchevique) da Rússia”.

Deputados revolucionários

Voltando a 1907, a bancada “social-democrata era não só numerosa mas também uma das mais brilhantes”, dizia Lénine: “filha da revolução, vinha cheia de entusiasmo […] ainda toda vibrante da grande luta que vinha de atravessar o país”. E “era a mais revolucionária, a mais consequente e a mais consciente das frações da esquerda”, as quais arrastava na sua órbita. Tornou-se assim um “derradeiro foco da revolução, o seu último símbolo, uma prova viva da grande influência da social democracia sobre as massas proletárias”.

Dessa vez, o parlamento não chegou a durar 4 meses até ser dissolvido. Os deputados social-democratas foram o principal alvo a abater. A polícia secreta fabricou uma acusação falsa, para os implicar numa suposta conspiração militar contra o Czar. O caso foi abafado com um julgamento à porta fechada. E a lei eleitoral foi alterada para cortar ainda mais o direito de voto a operários e camponeses.

Divulgação em Portugal

Além de Lisboa, n’A Voz do Operário, este relatório de Lénine foi, na altura, publicado em Setúbal, no jornal O Trabalho, e no Porto, em A Voz do Povo e A Voz do Proletário.

Os responsáveis por estes quatro jornais eram todos destacados militantes do antigo Partido Socialista Português, de cariz operário e marxista. E, com exceção de Inácio de Sousa, que faleceu antes, todos participaram, em 1914, na fundação da central sindical União Operária Nacional – primitivo nome da CGT (Confederação Geral do Trabalho).

José Fernandes Alves (1866-1931)

O redator de A Voz do Operário era José Fernandes Alves. Foi um dos principais dirigentes de uma importante luta de operários gráficos em Lisboa, em 1904, o que lhe valeu na altura ser despedido e ameaçado de deportação. Entusiasta do associativismo popular, chegou a ser um autarca de Lisboa, como secretário da Junta de Freguesia de Santa Engrácia.

Manuel Luis Figueiredo (1861-1927)

O fundador e diretor efetivo do jornal O Trabalho, de Setúbal, era outro antigo operário gráfico, Manuel Luís Figueiredo. Ainda foi dirigente da Associação dos Trabalhadores na Região Portuguesa, um protótipo de central sindical fundado em 1873. Participou num dos dois congressos socialistas internacionais realizados em Paris, em 1889, que impulsionaram o 1º de Maio como Dia Internacional do Trabalhador.

Manuel José da Silva (1858-1932)

O jornal A Voz do Povo, fundado em 1907, era o órgão do Partido Socialista Português no norte. O seu diretor era Manuel José da Silva, empregado de escritório e antigo operário têxtil. Em 1911 tinha sido eleito como deputado à Assembleia Constituinte da Republica e como presidente do sindicato União dos Empregados no Comércio do Porto. Foi um dos principais fundadores da Cooperativa do Povo Portuense e da Liga das Associações de Socorros Mútuos do Porto.

Inácio de Sousa (1871-1914)

Fundado em 1897, A Voz do Proletário era o jornal dos operários tabaqueiros do Porto. O seu diretor, até 1914, foi um dos mais destacados sindicalistas deste sector: Inácio de Sousa. Preso político muito jovem, durante uma greve, em 1887, ainda no reinado de D. Luis. Foi presidente da Cooperativa do Povo Portuense. Era irmão do operário sapateiro e anarquista Manuel Joaquim de Sousa (1883-1944), que veio a ser secretário-geral da CGT e diretor do diário A Batalha.

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