Opinião

A Voz dos Livros

Sinais de Fogo, de Jorge de Sena

Jorge de Sena. Fotografia de Fernando Lemos

No romance de Sena, Sinais de Fogo, um dos grandes romances portugueses da segunda metade do século XX, os graves conflitos dos anos 1930 são apenas o pano de fundo para estabelecer a sucessão diacrónica em que os acontecimentos que descreve têm lugar – o início da Guerra de Espanha e a revolta dos marinheiros da Armada, nos navios Dão e Afonso de Albuquerque fundeados no Tejo.

Em Sinais de Fogo, Jorge de Sena não se compromete ideologicamente, percorre e descreve a atmosfera social do país, através da análise comportamental de um grupo de jovens oriundos da média/alta burguesia urbana, em férias na Figueira da Foz.

No entanto, a guerra existe do outro lado da fronteira e irá condicionar todo o desenrolar da trama romanesca. A questão religiosa, a ligação da igreja às elites conservadoras e latifundiárias, a sua participação no conflito ao lado das tropas franquistas; o extermínio de civis praticado pelas tropas de Franco e Sanjurjo; o envolvimento das potências europeias, como a França e Inglaterra, cercando a República Democrática, impondo o embargo de armas enquanto os nacionalistas as recebiam através da fronteira portuguesa e de Marrocos, alterando assim a correlação de forças a favor de Franco; as Brigadas Internacionais compostas por militantes das frentes socialistas e comunistas de todo o mundo; os vários intelectuais americanos e europeus que apoiaram o governo legítimo como Ernest Hemingway, George Orwell, André Malraux, Antoine Saint-Éxupery e a católica, Simone Weil. Tudo isto, bem como as origens políticas e sociais do conflito, é ignorado por Jorge de Sena, preferindo investir num discurso que visa, no fundamental, explorar as angústias existenciais do narrador/protagonista e os seus particulares processos de aprendizagem e crescimento.

Jorge é um jovem acabado de sair da adolescência, com uma visão perturbada do seu meio familiar e do mundo, balançando inseguro na sua própria identidade. No Verão de 1936, Jorge parte para férias na Figueira da Foz, sendo aí acolhido em casa de um tio materno. Os rumores da guerra em Espanha, a contrainformação percorriam já a praia, as esplanadas, as mesas de jogo do casino: a república comunista estava perdida; a esquadra passara-se toda para os nacionalistas; os altos do Guadarrama tinham sido todos conquistados; as tropas já estavam na Cidade Universitária, às portas de Madrid.

Um clássico a ler ou a revisitar nestes tempos conturbados.

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