O Gentil Vagabundo, de Clementina Matos

Clementina Matos é uma autora tardia. Grande parte do seu percurso profissional está ligado ao ensino secundário, onde lecionou várias disciplinas, sobretudo o francês, com o carimbo da prestigiada La Sorbonne. É licenciada em Línguas e Literaturas modernas. Participando como poeta e contista em diversas colectâneas, só em 2015 se estreará em livro próprio com Os Amantes de Janeiro. Desde aí não parou de publicar, num percurso que vai da poesia ao romance realista e aos contos com forte pendor autobiográfico.

É o que acontece com este seu recente livro, O Gentil Vagabundo, publicado em Dezembro de 2021 e com a 1ª. edição praticamente esgotada.

Os oito contos que constituem o volume têm, como denominador comum, as suas memórias de infância e as vivências a que a profissão de professora obrigou, o contacto com as diversas realidades do país na constante mudança de escolas, de lugares, de gentes. São essas circunstâncias, junto com outras memórias mais remotas, que transparecem neste livro, produto de uma genuína contadora de estórias, que sabe manejar a ficção e o real de que parte, de uma criadora sensível de ambientes, de atmosferas e de personagens. Exímia observadora do real, sobretudo das gentes simples e singulares que habitam os espaços das suas memórias, a começar nesse estranho vagabundo Dominico que conta estórias de mouras encantadas e de insondáveis mistérios, no magnífico conto que abre a colectânea e lhe dá título, O Gentil Vagabundo.

Clementina Matos constrói um pródigo discurso onde os afectos, o emotivo, o poético e o telúrico se conjugam para nos dar a imagem de uma média burguesia que não se alheava da realidade circundante, dentro da matriz própria dessa condição, tentando minorar os dramas dos menos afortunados. «Precisamos ser felizes em todas as estações da nossa vida», dirá uma personagem do conto inicial, e essa felicidade atrela-se, necessariamente, à forma como a autora olha o Outro e se deixa seduzir pelas vidas dos mundos que tocou.

«Se eu pudesse sair daqui», dirá Rosa, personagem do segundo conto, pelo qual o fantástico se insinua, reduzindo esse desejo de fuga à realidade da sua circunstância: «Assim é a vida das mulheres que não nasceram para joias». Também o fantástico que estruturará quase todo o conto A Bruxa do Cimeiro, que fecha o livro, percorre estas páginas.

Escrita segura, respeitando tempos, incidências e intensidades narrativas. Prosa solta e sóbria perto daquilo a que, algures, chamei “literatura feliz”. Também precisamos disso nos dias turbulentos que nos acossam.

O Gentil Vagabundo, de Clementina Matos. Edição Modocromia/2021.

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