Cultura

Neo-realismo

“A Família Humana” da fotografia e do cinema: retrospectiva da exposição patente no Museu do Neo-Realismo

Otto Karminski foi o artista em destaque na exposição patente no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, durante quase um ano. A par das fotografias de Karminski, o curador Jorge Calado reuniu um manancial de outros autores, para dar o panorama daquilo que se andava a fotografar pela Europa, sobretudo, no pós-II Guerra Mundial.

Fotograma do Pequeno fugitivo, exibido no ciclo de cinema.

Com o intuito de aprofundar a temática neo-realista o museu programou dois ciclos de cinema, que culminaram em Junho de 2022, com “Vítimas da Tormenta” (Vittorio de Sica), e “O Pequeno Fugitivo” (Morris EngelRaymond Abrashkin e Ruth Orkin).

Acompanhar a exposição e ver a totalidade dos filmes exibidos ao longo do tempo em que as iniciativas paralelas decorreram fazia os frequentadores ficar com uma espécie de curso intensivo sobre o estudo de um período da história da imagem – e da forma como fotógrafos e cineastas expressaram o que estava a acontecer à sua volta.

A nomenclatura “neo-realista” pode surgir à posteriori, se enquadrarmos artistas e respectivos trabalhos numa corrente que foi em primeiro lugar ética, depois estética. Jorge Calado quis colocar cada visitante durante aquele período em relação com os artistas e suas realidades: “Admirar fotografias é celebrar a vida de quem as fez.” (Março de 2021, “Expresso”). Admirar um objecto fotográfico ou fílmico é celebrar também a vida dos retratados; das personagens e histórias que, inspiradas no real, aparecem na grande tela.

O caso Otto Karminski

Foi no pós-guerra que o refugiado vienense de origem judaica Otto Karminski decidiu dedicar-se à fotografia, enveredando no London College of Printing. Antes tinha lutado contra o nazismo pelo exército britânico, tendo sido o único sobrevivente de uma arriscada missão em ItáliaJá com cidadania britânica, aprofundou o lado humano e multicultural de uma sociedade em que eram evidentes as dificuldades e precariedade da classe trabalhadora.

As suas fotografias são uma denúncia social, sublinhando o sentimento do belo, a composição minuciosa, e o cuidado com a luz e as sombras. Estas obras destacam também momentos de descompressão como “Dois choferes pretos”, “Ronald Owen, vendedor de Jornais”, e “Jardim infantil em Brixton Road”.

Karminski viajou pela Europa em busca desses momentos quotidianos dos mais desfavorecidos. Além da denúncia neo-realista de fotografias como a que tirou numa vila siciliana, em que vemos um perú a limpar o lixo das ruas (mostrando a falta de saneamento básico), interessam ao fotógrafo os instantes de concentração dos que conhecem bem o seu ofício: como a mulher, que “Preparando Macarrão, Itália”, repete o mesmo gesto há anos, na bancada de uma cozinha. Em “Inspecção das Linhas de Caminho de Ferro”, temos em primeiro plano os carris e um homem no centro da fotografia a compô-los. A imagem é dominada por placas de madeira, vigas de ferro, postes de electricidade: tudo o que existe é a ferrovia e o que envolve aquele trabalhador.

O lado versátil de Karminski levou-o a registar situações do dia-a-dia de reconhecidos escritores, no início dos 60: Aldous Huxley, Bertrand Russell, T.S. Eliot. Os dois primeiros retratos estiveram presentes na exposição.

Outros fotógrafos e realizadores: a grande família

“A Família Humana” resume e clarifica os intuitos que o Museu do Neo-Realismo teve com este importante programa: dar a conhecer artistas e obras cujas temáticas e visão do mundo pertencem a uma mesma família, com uma linguagem e motivações artísticas idênticas. É importante destacar as fotografias dos autores que deram conta do contexto português (incluído antigas colónias) entre os anos 40 e 60, em plena ditadura fascista: Mauricio Fresco, “Esquina de Lisboa (Carmo) com cartaz de tourada”; Annemarie Clarac, “Balcão de jornais e revistas, incluindo publicações nazis, na Lisboa movimentada”; Jean Dieuzaide“Florista Ambulante, Lisboa, anos 50”; e Augusto Cabrita, “Duas enfermeiras paraquedistas que prestam serviço em Angola”.

Para quem quisesse reflectir e aprofundar o tema do neo-realismo, a exposição foi acompanhada por obras relevantes da história do cinema: “La Dolce Vita” (Federico Fellini), “A Terra Treme” (Luschino Visconti), “As Vinhas da Ira” (John Ford). Foram programados filmes menos vistos, igualmente relevantes: “O sabor do Mel” (Tony Richardson), “Torre Bela” (Thomas Harlan), ou o referido “O Pequeno Fugitivo”. Esta incursão pela sétima arte complementou em pleno a exposição que destacou um fotógrafo pouco divulgado, Otto Karminski, e outros que, como ele, não se esqueceram de reflectir sobre o seu tempo, intervindo social e artisticamente através dos seus trabalhos.

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