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A reclusão de um país em “Atrás dessas paredes”, o novo filme de Manuel Mozos

“Atrás Dessas Paredes”, o novo documentário de Manuel Mozos, que teve estreia nacional em Maio, no festival IndieLisboa, viaja por um país e lugares do passado, fazendo-nos questionar sobre a realidade em que hoje vivemos.

Sobre planos fixos de espaços vazios, filmados de uma ou duas perspectivas, vão surgindo vozes de mulheres e homens anónimos. O que contam recorre a fontes diversas, convocando assim diversas emoções: são registos documentais, epistolas particulares e outros materiais e escritos de arquivo recolhidos pelo cineasta e colaboradores. O que contam fala das vidas que de alguma forma andaram por estes lugares.

Manuel Mozos recorre também a imagens de arquivo, que complementam o imaginário entre as imagens actuais e as vozes dos vários narradores, complexificando assim a forma como articula passado e presente.

Pobreza e doença

“Através Dessas Paredes” salienta o passado marcado pela ditadura fascista, com consequências para as condições sociais e económicas das classes baixas, e repercussões naquilo que era a identidade de um povo camuflado pelo medo. Isto é revelado indirectamente através do que as vozes contam sobre as imagens. Num sanatório pediátrico, vemos crianças a brincar, outras deitadas em camas ao ar livre à beira-mar, enquanto escutamos relatos sobre os preceitos terapêuticos para o tratamento da tuberculose: era a epidemia dos pobres, dos que tinham menos condições de salubridade, higiene, alimentação e habitação.

Vemos uma idosa a pedir para um miúdo que se finge doente, a repartirem a esmola, e depois a serem levados pelas autoridades. Sobre estas imagens de arquivo, uma voz conta na primeira pessoa o que acontecia a pobres, mendigos e pedintes encontrados nas ruas, a vaguear ou mendigar: eram levados para a desinfecção e depois presos.

O regime condenava e escondia os mais frágeis. Mulheres, rapazes, homens e crianças lutavam diariamente pela sobrevivência. Por isso, Mozos filma o espaço da Mitra, para onde pessoas de todas as idades eram levadas por cometer actos considerados ilícitos, como andar descalço na rua ou pedir para comer.

Presos políticos e guerra colonial

Eram vários os tipos de repressão. Existiam os presos políticos, que vemos nas imagens recolhidas da Prisão do Limoeiro: atrás daquelas paredes, num pátio, homens apanham sol; do outro lado daquelas janelas com grades está o Tejo. Escutamos relatos de homens sobre a sua condição de presos. Temos ainda imagens do Forte de Peniche, e dos presos que lá se encontravam antes do 25 de abril.

Na guerra colonial, um homem lê uma carta que escreve à namorada. Confessa o seu desespero e solidão. Fala-nos na primeira pessoa do que sentiam aqueles homens longe do país, em combates sem sentido.

Outros marginalizados: os loucos

Se temos prisões para onde eram arremessados pobres que apenas queriam sobreviver, e aqueles que na clandestinidade lutavam contra a ditadura, temos também os que eram considerados loucos. Aqueles que, medicados, viviam encerrados em hospitais psiquiátricos. Mozos dá-nos notícias desse regime de encarceramento e marginalização, de como homens e mulheres viviam atrás daquelas paredes do Júlio de Matos ou do Miguel Bombarda, no coração de Lisboa.

E hoje?

O que “Atrás Dessas Paredes” nos faz concluir é que hoje podemos viver à frente de paredes e podemos atravessá-las, sem nos escondermos com medo de exprimir o que pensamos e sentimos. Também nos diz que é fundamental convocar a memória e o passado, para compreendermos o presente, reflectirmos e agirmos na direcção de um futuro mais igualitário.

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