Cultura

Cinema

Cineclubismo: alternativa de qualidade – a baixo custo

Um passado de resistência anti-fascista na luta por uma cultura popular

O surgimento dos cineclubes em Portugal acontece no pós-guerra, e é inseparável das expectativas de democratização da vida nacional. O Movimento de Unidade Democrática (MUD), proibido em 1948, com as suas significativas camadas da juventude estudantil e trabalhadora, prossegue a militância legal através do movimento associativo, que sobreviveu em pleno fascismo através de associações de cultura, recreio e desporto. Manuel de Azevedo destaca, no seu livro “O Movimento dos Cine-Clubes” (Edições Seara Nova, 1948), a relação entre o cinema português e o acesso à cultura: estaremos contribuindo concretamente para a solução do problema da cultura do povo na medida em que trabalharmos para a elevação do nível cultural, ou apenas cinematográfico, do espectador de cinema. Neste contexto e com tal intuito, tinham já surgido os primeiros cineclubes: o Clube Português de Cinematografia (1945); o Círculo de Cinema, de Lisboa, e o Círculo de Cultura Cinematográfica – Cine-Clube Universitário de Coimbra (1946). 

O movimento expande-se um pouco por todo o país. E em 1955, realiza-se, em Coimbra, o 1.º Encontro Nacional de Cine-Clubes, que marca o nascimento do Movimento Cineclubista em Portugal.

As missões de um cineclube

No artigo “O que é um Clube de Cinema?” (Gazeta de Coimbra, 1947), Rui Grácio define as características dos cineclubes como organizações sem fins lucrativos, que “não associam apenas técnicos, críticos, estetas e estudiosos do Cinema; chamam a si todos os que apreciam o espectáculo cinematográfico, procurando interessá-los pelos aspectos históricos, técnicos, artísticos, culturais e pedagógicos do cinema e procurando, também, informá-los afinar-lhes a sensibilidade, educar-lhes a gosto e o espírito crítico.”

Os cineclubes têm como missão a projecção de filmes, e consequente debate de ideias, em espírito comunitário, livre e crítico. E proporcionar à população incentivo e meios para se aproximar de obras a que, de outras formas, não teriam acesso. É num ambiente aberto a todos os que se queiram associar, ou apenas assistir às sessões, que acontecem estes visionamentos, em circuitos alternativos. 

É função dos cineclubes proporcionar os meios para divulgar e evidenciar obras que geralmente estão fora dos circuitos convencionais de distribuição. No fundo, procuram criar interesse pelo cinema como expressão artística, dando a conhecer novos realizadores e outros cujas qualidades se revelem originais, ou que ocupem um lugar de relevo dentro na história do cinema – não esquecendo obras contemporâneas e a produção que se vai fazendo nacional e internacionalmente.

O caso do ABC 

Em Lisboa, existem dois cineclubes, o ABC Cine-Clube de Lisboa, fundado em 1950, e o Cineclube de Alvalade, que fará três anos em Abril. A Área Metropolitana de Lisboa conta ainda com um cineclube no Barreiro, outro em Setúbal. A nível nacional, existem actualmente a Federação Portuguesa de Cineclubes (fundada em 1978) e 85 organizações nacionais de carácter cineclubista, nem todas federadas. O Dia Nacional do Cineclube comemora-se a 14 de Abril.

Manuel Neves, presidente do ABC Cine-Clube de Lisboa, lembra-nos os princípios e objectivos associativos do movimento cineclubista: defender o cinema como arte e linguagem, apoiando e impulsionando a cinematografia nacional, divulgando obras representativas da sétima arte, bem como outras do cinema experimental, didáctico e infantil; procurar impulsionar e auxiliar o cinema didáctico e educativo, editando textos de índole cultural e cinematográfica; organizar colóquios, debates, mesas redondas, palestras, conferências; instituir uma biblioteca, geral e especializada em cinema, ou mesmo constituir uma filmoteca e promover a realização de cursos de formação cinematográfica; e ainda, organizar festivais, exposições e outros certames relacionados com o cinema e a cultura. 

Actualmente, o ABC mantém sessões gratuitas regulares, abertas a toda a população, no auditório do Liceu Camões e no Clube Estefânia (chegam a ser duas por semana), em Lisboa, todas elas com a respectiva folha de sala. Os debates e conferências têm sido em menor número, dada a situação pandémica, mas continuam a acontecer, sobretudo nas sessões em que são projectados filmes portugueses, às quais o cineclube tenta levar os realizadores para falarem sobre as suas obras, incentivando a discussão de ideias e partilha de experiências. 

O futuro dos cineclubes: mais actividade e associativismo

Neste sentido, no movimento cineclubista em Portugal, as sessões de cinema continuam a ser pontos de encontro e debate, num panorama árido no que concerne à divulgação de um certo tipo de cinema, autores e filmes, que, de outro modo, nunca estariam acessíveis, em sala, promovendo a reflexão e participação populares. Mas precisa, hoje, de públicos de várias gerações e origens, para se afirmar ainda mais como uma voz activa na divulgação de uma cultura abrangente e igualitária, acessível a todos, que promova outras formas de ver cinema, debater e reflectir ideias, a arte e a sociedade. 

É, portanto, uma prioridade divulgar juntos de novos públicos os movimentos associativos cineclubistas, que continuam a desenvolver actividades, abertas e acessíveis a todos, e são alternativa aos circuitos convencionais de salas e programação. Um dos primeiros passos pode passar por aderir a um cineclube, através da inscrição e pagamento de quotas (de baixo custo), activamente, participando e divulgando as suas sessões e debates, ou contribuindo com sugestões de filmes e outras actividades culturais cineclubistas. 

Artigos Relacionados