Cultura

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Um ano depois é mais difícil imaginar o fim da precariedade do que o fim da cultura

Mais de um ano depois do início da pandemia provocada pela Covid-19, a atividade cultural volta a abrir. Poucos setores foram tão severamente prejudicados por uma paragem prolongada pela incapacidade de resposta governamental, pelas hesitações incompetentes do Ministério da Cultura e, sobretudo, pela relativização do papel da Cultura na vida dos cidadãos e das comunidades.A ideia do perigo de abrir a atividade cultural suplantou a de que a Cultura é um bem-essencial. Assim, encerrar uma sala de espetáculos ou um museu tornou-se mais importante como medida preventiva, do que buscar rápida, ativa e empenhadamente uma estratégia séria para a aquisição de materiais de proteção e reforço de pessoal capaz de assegurar o cumprimento de medidas de segurança.

Pouco antes do verão de 2020, o governo português preferiu responder ao medo dos promotores privados de espetáculos, que manifestaram mais preocupações económicas, de lucro cessante, do que preocupações de manutenção da atividade, com o devido reforço de recursos, reclamados pelos trabalhadores da cultura. O negócio do entretenimento teve mais peso nas decisões do governo do que a necessidade de garantir o acesso de todos a um conjunto de atividades essenciais para a sua formação e para a sua emancipação, agravando o fosso da desigualdade social. Se para uma parte da população a ausência de atividade cultural poderia ser substituída por entretenimento caseiro, para outra parte, bem significativa, isso traduziu-se em ficar sem qualquer acesso às artes e espetáculos.

Para disfarçar esta política de desvalorização da cultura enquanto bem-essencial, o governo, através do Ministério da Cultura, decidiu criar tardiamente um conjunto de mecanismos de apoio aos trabalhadores da cultura, que se revelou manifestamente insuficiente, acabando até por não abranger todos os que se viram privados de exercer a sua atividade e trabalho e, por conseguinte, de ter os mínimos meios de sobrevivência. Pressionado por sindicatos e associações do setor cultural, o governo viu-se obrigado a acelerar a aprovação do Estatuto do Trabalhador da Cultura, que chegou no final deste mês de Abril, precisamente um ano depois do primeiro encerramento de salas de espetáculos, museus e outras iniciativas culturais por todo o território nacional. Apesar da demora, a Ministra Graça Fonseca, admite que este ainda poderá vir a sofrer alterações. Este estatuto aparece ensombrado pela sua extemporaneidade e pela sua precariedade. Vem muito tarde e não vem bem.

Nas próximas semanas iremos perceber o verdadeiro impacto que a suspensão do acesso e do trabalho na cultura teve no setor; quantos técnicos e artistas resistiram a um ano de paragem e estarão prontos para retomar a sua atividade. Mas, a totalidade do impacto que a perda de acesso à cultura teve no plano das desigualdades, só o conheceremos mais à frente, sabendo, com toda a certeza, que a escassez de um bem-essencial é determinante na capacidade que temos para tomar decisões e para o número de escolhas que poderemos fazer para a satisfação da nossa realização individual e coletiva. E que importante teria sido que nada disto tivesse sido ignorado.

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