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De “pequeno jornalista” n’A Voz para diretor do Notícias da Amadora

Foi a 15 de agosto de 1921 que nasceu aquele que ficou conhecido como diretor do Notícias da Amadora, um jornal local que ganhou notoriedade nacional no combate à ditadura fascista. Nasceu no Bairro do Rio Seco, na Ajuda, e estudou n’A Voz do Operário, onde a professora Conceição Ribeiro o apelidou de “pequeno jornalista”. Segundo o filho, Orlando César, os motivos podem ter sido vários: o interesse pela origem da escola da instituição, que começou com o jornal A Voz do Operário, o contacto com o diário O Século que entrava todos os dias na casa da avó e o quarto do tio, com uma ampla oferta de revistas, jornais e livros revolucionários.

Filho de um operário e de uma costureira, foi muito ativo no Rio Seco Sporting Club e foi também ali que despertou a consciência combativa de Orlando Gonçalves. Em 1948, publicou o livro Tormenta e, já antes, a atividade cultural e as conferências organizadas na coletividade haviam chamado a atenção da PVDE. Logo a seguir o regime mandou apreender a obra, depois de ler a recensão crítica elogiosa da obra e do autor que se destinava ao jornal República, que foi cortada pela censura. Isso não impediu, contudo, a sua leitura. Na Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense, por exemplo, Tormenta foi o livro mais lido no ano de 1949.

A primeira prisão de Orlando Gonçalves chegara em 1943 pela sua participação no Socorro Vermelho Internacional (SVI). Na altura, o jornal Avante! noticiou a prisão, sem identificar os nomes, a não ser o do delator que “revelou à polícia aspectos da atividade do SVI e denunciou quatro camaradas”. Foi nessa época que conheceu o pintor Cipriano Dourado, que viria a ser um dos mais importantes amigos.

Em 1945, com a fundação do Movimento de Unidade Democrática, o então escritor adere à organização e participa na campanha da oposição ao regime. Foi apoiante de Norton de Matos, Ruy Luís Gomes e Arlindo Vicente e esteve na Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Como intelectual, foi um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1956, encerrada pela PIDE em 1965.

Combate ao fascismo no Notícias da Amadora

Homenageado na Escola Secundária de Seomara da Costa Primo, na Amadora, numa iniciativa organizada pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses, o filho, Orlando César, e Sérgio Ribeiro, ex-deputado comunista na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, recordaram a trajetória de vida de Orlando Gonçalves. Já participara com trabalhos em diferentes publicações mas é em 1963 que se junta ao Notícias da Amadora. Depois de ser despedido de uma multinacional francesa por divergências com a administração quanto à aplicação das verbas da venda de desperdícios, que Orlando Gonçalves destinava ao financiamento de um refeitório para os operários, passa a estar à frente da publicação local que tinha sido fundada em 1958.

Até à morte do escritor e jornalista, em 1994, esteve na direção do Notícias da Amadora. Quando assumiu a propriedade, edição e direção, o jornal era um periódico da freguesia da Amadora, ainda no concelho de Oeiras. A publicação cresceu primeiro para os municípios limítrofes e alargou os temas tratados nas páginas do jornal dando destaque às artes, letras e internacional. É a partir de 1970 que o âmbito geográfico se expande com distribuição nacional e assinantes no estrangeiro.

Contudo, o regime nunca perdoou as posições políticas de Orlando Gonçalves e recusou-lhe o reconhecimento do cargo de direção do jornal. Existem 12 cartas suscitadas por iniciativa de Orlando Gonçalves, que solicitou autorização para assumir a direção em 1964, 1967, 1968, 1969 e 1970. As autoridades fascistas admitiam que conduzisse o periódico mas sem caráter oficial. Era um elemento de “tendências comunistas”.

O jornal comete a proeza de desobedecer abertamente à censura. Chegou a publicar edições falsas para o corte do lápis azul e edições sem cortes para os leitores. Em 1973, em 35 das 52 edições do ano, período que separa o 3º. Congresso da Oposição Democrática das eleições legislativas, Orlando Gonçalves constou como diretor-adjunto e depois diretor em 14 edições. Alvo do fascismo, que lhe nega a possibilidade de dirigir o jornal com o argumento de que não tinha escolaridade para tal, sonda o economista Sérgio Ribeiro para o cargo, que assina 11 edições. Mas o regime tampouco autorizou esta opção. Foi o jovem economista Carlos Carvalhas a solução para contornar a proibição.

O Notícias da Amadora assumia-se como projeto com a causa de afrontar a ocultação da realidade da ditadura, fiel ao conceito de “imprensa de resistência”, e Orlando Gonçalves não estava sozinho neste combate. Várias equipas passaram pela redação do jornal. Pelo menos, mais de mil colaboradores até 25 de Abril de 1974. Exemplo disso são as Oficinas Gráficas do jornal, que, para além do periódico, publicaram livros para várias editoras e informação para os sindicatos da recém-fundada Intersindical.

Mas até à queda estrondosa do fascismo, o regime não deixaria de mostrar a sua face mais violenta. A 18 de abril, Orlando Gonçalves e Sérgio Ribeiro são levados pela PIDE das Oficinas Gráficas do Notícias da Amadora, assim como a jornalista Helena Neves. Só a 27 de abril, já com o fim da ditadura, é que se abrem as portas da liberdade para estes últimos presos políticos.

Obreiro do município de Abril

Com a revolução, exerceu, entre 1974 e 1994, diversos cargos autárquicos em Oeiras e na Amadora. Foi presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Oeiras, na qual se integrava a freguesia da Amadora, até às primeiras eleições autárquicas em 1976. Orlando Gonçalves, ao lado das populações, foi um dos obreiros do primeiro concelho criado depois da revolução de Abril. Participou nos debates que se travaram pela democratização do poder local e na construção de soluções para problemas como a carência habitacional, o saneamento básico, os transportes e tantas outras, e acolheu na Câmara Municipal de Oeiras personalidades estrangeiras que visitavam o país e que queriam conhecer as conquistas de Abril.

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