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Paulo Freire

Paulo Freire – Do legado ao compromisso

Celebram-se, este ano, 100 anos do nascimento de Paulo Freire. Celebra-se, por isso, a vida e obra de um dos mais importantes educadores, pedagogos e pensadores de língua portuguesa e do mundo. Paulo Freire é, desde 2012, Patrono da Educação no Brasil, apesar de todas as tentativas recentes para apagar o seu legado.

É autor de 25 livros, o terceiro autor de ciências sociais e humanas mais citado do mundo, doutor honoris causa em mais de 27 universidades de ensino mundiais, tendo lecionado em várias universidades por todo o mundo, sendo Yale, Cambridge ou Oxford apenas alguns dos exemplos mais conhecidos.

Talvez o patrono não optasse por esta nota introdutória para um artigo sobre o seu legado, mas assim tiramos do caminho qualquer confusão acerca da natureza da credibilidade que Paulo Freire tem para a Educação em geral e para A Voz do Operário em particular.

Paulo Freire tem para nós uma importância difícil de mensurar e, por isso mesmo, ainda mais difícil de traduzir de uma forma que lhe faça justiça. É imensamente profundo o seu contributo para o entendimento que temos sobre a natureza da relação educativa e das práticas que lhe estão associadas. Mas façamos essa tentativa.

O pensamento de Paulo Freire comporta uma lógica conceptual tradutora de tudo o que nas escolas d’A Voz do Operário preconizamos e tentamos implementar. Para uma melhor apropriação do que queremos dizer, importará começar pelo princípio – sendo essa a base ideológica pela qual é guiada a nossa interpretação do mundo. Assim sendo, importa explicitar que o ponto de partida para qualquer relação educativa, segundo Paulo Freire, está sediado numa base materialista e dialética. Aquela que se faz a partir da interpretação que faço da minha experiência com o mundo e na forma como influencio e sou influenciado por esta. Falamos, por isso, de uma relação permanente de aprendizagem. Começamos daí a entender que o acto de aprender não é exclusivo mas inclusivo, não sendo possível de ser feito em sentido único. Não há “aquele que aprende” e “aquele que ensina”. O acto de aprender e ensinar é um acto simultâneo, de troca e de superação, mútua, daqueles que estão envolvidos no processo. Aprende-se, cada vez de forma mais aprofundada, porque se partilha o saber e porque essa partilha suscita no outro novos saberes que veem, inevitavelmente, com novas perguntas, novas curiosidades e desafios, que permitem que a espiral de aprendizagem co-construída de cada um dos aprendentes siga o seu caminho, aprofundando-se colectivamente. 

Esta superação pessoal, este caminhar progressivamente mais crítico e consciente, é aquilo a que Paulo Freire chama de “Educação como prática da liberdade”, e é por isso que, nos dias de hoje, o seu legado é tão ameaçador para quem faz a gestão diária do sistema. Mas não só por isso.

Paulo Freire deixou sempre claro que este caminho não poderá nunca ser feito com a pretensão de algum tipo de neutralidade, porque ela, pura e simplesmente, não existe. Um adulto que se envolve numa relação educativa, seja sob que papel for, nunca parte de uma base ideológica neutra e esta será, consciente ou inconscientemente, a base de toda a relação que irá estabelecer com o outro. Assim, um educador (no sentido mais amplo do termo, dizemos nós) tem de ser um militante. Militante do compromisso que assume com aqueles que se relaciona educativamente. E, não sendo neutro, ou se assume enquanto militante por um mundo que se quer novo e surgido da superação daquele que hoje temos, ou enquanto um “gestor de conta” do ensino bancário que o mundo que temos precisa para sobreviver. 

É por isso que educar é um acto político. Político porque a criação de instrumentos de interpretação da realidade, com vista a transformá-la ou a mantê-la, está sempre subjugada a uma agenda que começa nos governos que o sistema elege e termina nos valores que nos são passados. E então, permitam-me a insistência, ou os valores são passados, ou são futuro. E é por isso mesmo necessário que fique claro que, n’A Voz do Operário, não é por isso possível passar “por entre os pingos da chuva” quando a escolha por nós feita é a Educação. E porque estão sujeitos a essa escolha outros que não escolheram aqui estar, a clarividência de onde estamos e para onde queremos ir, impera.

É por muito mais que isto, mas também por isto que Paulo Freire é uma das maiores referências para A Voz do Operário e é por isto e muito mais que o seu contributo é mais premente e actual que nunca.

O nosso compromisso com aquilo a que diferentes autores chamam de Pedagogia Crítica, e da qual Paulo Freire é reconhecidamente um dos seus maiores representantes, é, em si, a maior homenagem que algum dia A Voz do Operário lhe poderá fazer. Teremos em breve mais uma oportunidade de continuarmos a construir-nos e a superar-nos, através do trabalho a realizar em torno do nosso Projecto Educativo. E estarmos à altura de honrar o compromisso que estabelecemos para com os mais de mil construtores do futuro que temos à nossa responsabilidade, é o nosso maior legado. 

Disse o homem um dia: “A Educação não transforma o mundo. A Educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo.” Assim seja, companheiro Paulo.

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