A oposição saiu muito fragilizada depois da absurda entronização de Juan Guaidó por parte do Ocidente, sem qualquer processo eleitoral, uma prova mais de que os adversários de Nicolás Maduro estavam dispostos a tudo para o derrubar. Desde que Nicolás Maduro foi eleito presidente da Venezuela em 2013, o cenário complicou-se. Os Estados Unidos agravaram as sanções, com graves consequências para a economia venezuelana e para a população, e apoiaram a oposição em várias tentativas de golpes e assassinatos para derrubar o sucessor de Hugo Chávez. Prova disso foram os vários mercenários norte-americanos capturados na costa da Venezuela que tentavam promover uma incursão militar a partir da Colômbia, em 2020, e o atentado falhado contra Maduro com recurso a dois drones com explosivos, em 2018.
Acusado de desvio de fundos, Guaidó fugiu da Venezuela depois de se tornar persona non grata para os opositores com cenas de pancadaria que ficarão nos anais da história. A oposição acabou por escolher Maria Corina Machado, uma histórica adversária do chavismo que assinou um manifesto ao lado da extrema-direita, onde se destacava Georgia Meloni, Javier Milei e Jair Bolsonaro, que apoiou sanções dos Estados Unidos sobre o seu próprio povo e sugeriu de forma velada que Washington fizesse com a Venezuela aquilo que fez com a Síria.
Impedida de se candidatar devido a acusações de corrupção, a oposição apoiou Edmundo González, que rejeitou um acordo com Maduro para que os resultados fossem reconhecidos, independentemente do vencedor. É impossível ler as eleições presidenciais venezuelanas sem ter em conta estes e outros elementos. A falta de contexto tem sido uma prática constante nos órgãos de comunicação social. Sem diversidade de ângulos, a cobertura mediática ocidental esteve alinhada em permanência contra o atual presidente do país. Disso é exemplo a manipulação das palavras de Nicolás Maduro quando afirmou que se o povo “não quiser um banho de sangue numa guerra fraticida, produto dos fascistas” há que garantir “a maior vitória eleitoral da história”. Este alerta era uma referência àquilo que acontecera depois das eleições presidenciais de 2013 quando a oposição venezuelana provocou um banho de sangue nas ruas do país.
A polémica das atas eleitorais
Ainda antes da ida às urnas, a oposição anunciou que só reconheceria as suas próprias cópias das atas e, no dia de reflexão, criou site próprio que viria a albergar dias depois as atas que diz serem verdadeiras. No dia das eleições, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) afirmou que a sua página tinha sofrido um ataque e que não conseguia apresentar devidamente os resultados. Segundo os dados a que teve acesso, o CNE anunciou Nicolás Maduro como vencedor. Apesar de legalmente ter 30 dias para apresentar as atas, vários países exigiram imediatamente a apresentação destes documentos acusando o governo venezuelano de estar a cometer fraude. Com o site do CNE em baixo, a oposição apresentou o seu próprio site com alegadas cópias das atas que mostrariam que Edmundo González era o vencedor. Contudo, o chavismo denuncia que milhares destes documentos são forjados.
Como em Portugal, as atas, documentos assinados por todos os membros da mesa que atestam o resultado de cada máquina eletrónica, nunca são apresentadas publicamente. O que acontece é que os organismos eleitorais publicam os resultados e se houver queixa de alguma das candidaturas, as atas estão disponíveis para que se fiscalize o que de facto se passou em cada mesa. Em Portugal, quem tem acesso a tais documentos é a CNE, os tribunais e as forças políticas em caso de reclamação sobre o resultado de alguma mesa ou várias.
Nesse sentido, o candidato Nicolás Maduro pediu a intervenção do Tribunal Supremo para que as atas oficiais fossem apresentadas e contabilizadas. Os juízes avançaram com audiências com todos os candidatos e exigiram a entrega de todos os documentos na sua posse para aferir os resultados através de uma auditoria. O Conselho Nacional Eleitoral entregou todas as atas oficiais ao tribunal e compareceram todos os candidatos menos Edmundo González, alegando que não reconhece idoneidade aos membros daquele órgão.
Entretanto, vários dos países que haviam reconhecido Edmundo González como presidente recuam quando Nicolás Maduro ameaça romper acordos petrolíferos e passar esses contratos para os países dos BRICS.
Tanto o Brasil como a Colômbia propuseram novas eleições presidenciais para resolver o diferendo, algo que tanto a oposição como Nicolás Maduro recusam.
Um dos países com mais eleições
Antes de ser eleito presidente da Venezuela em 1998, Hugo Chávez prometeu referendar uma nova constituição e convocar imediatamente novas eleições para todos os cargos, incluindo o seu. Dois anos depois de chegar à presidência com 56% dos votos, cumpriu o prometido. Foi reeleito em 2000, subindo para os 60%. Desde então, as eleições presidenciais, entre outras, assumiram uma carga dramática para uma oposição desesperada em devolver o poder aos grandes grupos económicos e financeiros, mas, sobretudo, devolver o país do mundo com as maiores reservas de petróleo à esfera dos Estados Unidos.
Sem conseguir convencer os venezuelanos, perante a subida dos índices sociais, a oposição apostou na violência e em manobras anti-democráticas. Em 2002, a direita encabeçou um golpe de Estado que foi derrotado pela mobilização popular em aliança com os setores progressistas das forças armadas. Desde então, a oposição só reconhece resultados eleitorais quando ganha. Apesar das acusações sobre a falta de liberdade no país caribenho, a oposição ganhou as legislativas em 2015, governa, hoje, em 4 dos 23 estados e detém 125 autarquias das 335 existentes.