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Três livros de Alexandre Hoffmann Castela

Este autor jovem e já tão experiente e capaz vive em Lamego. É autarca eleito na Assembleia Municipal da cidade e é um homem de esquerda que escreve como trabalha, com competência, entrega e confiança determinada.

Permitam-me que faça uma síntese do seu primeiro livro – A Aparição Segundo a Memória – feliz descoberta de ser Deus, e não a Virgem Maria, que aparece aos pastorinhos em Fátima. Ficamos apanhados nesse enredo extraordinário que nos traz muita paz perante uma situação nova e, apesar de tudo, mais estimulante. 

Afinal, a preocupação de Deus era aquele morticínio na grande guerra de 1914-1918. Quanto aos chamados segredos de Fátima, a igreja católica estava centrada no medo e no ataque à revolução na Rússia e não em defender os portugueses que morriam em França. 

Então, Deus escolhe Portugal e Fátima para deixar as suas mensagens de paz e concórdia entre os humanos, num esforço bem-intencionado e enternecedor. 

Mas até Deus acaba por desistir, ano após ano, sem conseguir dar paz ao mundo e impressionado pela segunda guerra mundial que se preparava e outros desastres que viriam a acontecer. 

Simpatizei tanto com este Deus sofredor e de boa-fé que quase desejei voltar à religião tão maltratada e objecto de alienação entre os pobres de espírito e os ricos em dinheiro e arrogância. 

Quanto ao segundo livro – O Quadro Vermelho de Jericó

Em 1969 e depois, conheci católicos chamados então de progressistas. Por exemplo Sophia de Melo Breyner e o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira. Alguns deles tinham tanta raiva ao fascismo que se tornavam excessivos e negativos em extremo no combate ao regime fascista e a Salazar. Outros eram contra a guerra colonial e lutaram ao nosso lado, nomeadamente desde 1969 e na CDE. 

Recordo por exemplo o Padre Alberto da capela do Rato e Felicidade Alves, padre em Belém e na Basílica. O excesso nos mais violentos também tinha expressão no prazer da comida e de outras aventuras, com um gosto de viver que excedia a razão e está também muito expresso no livro “Directa”, de Nuno Bragança, exactamente esse, da Casa de Bragança e dos duques eternamente à espera de serem reis. 

Finalmente o terceiro livro – As Raízes de Inge

Aqui é que a exigência do autor face aos leitores se acentua e desdobra. Um desafio e tanto, para quem não quer literatura de cordel, ao metro ou ao quilómetro. Disso andam por aí muitos títulos e livros, não ao Deus dará, mas ao engano dos pobres de espírito. 

É um livro de luta pela paz num país lá para o norte da Europa, mas também poderia situar-se aqui. Os viquingues e outros seres violentos chegaram a Portugal e, de que modo, à região de Braga. Inge é uma vila pequena onde existe uma mulher chamada Lucrécia. Corajosa, avançada e solidária. “Sou precipício de ti”, diz ela, quando encontra o homem da sua vida. 

O livro é de resistência à guerra, ao esbulho das riquezas criadas pelo povo trabalhador, à ocupação do país pelos bárbaros. Mas, sobretudo, traz consigo essa ambição enorme de ter paz e alegria de viver. 

É uma obra maior, este livro de Alexandre Hoffmann Castela. Exigente e, de certo modo, contra o consumo de telenovelas e dos livros que não o são. Um texto soberbo e desafiante, pela amizade e pelo prazer de viver em liberdade. Mostrando que, às vezes, é preciso ir à guerra contra a guerra, para conquistarmos a independência e a identidade que nos eleva para a vida. 

Outros livros de Alexandre Hoffmann Castela virão. Mas, agora, vamos ao trabalho e ao prazer de estimular mais leituras destes livros. 

Quero falar-vos brevemente da destreza criativa, da diversidade de abordagens, de uma escrita que nos surpreende, desafia e enleia. Alexandre Hoffmann Castela constrói histórias e romances, cria personagens e situações com a maleabilidade e a inteligência que nos surpreendem e nos fazem crer que aqui está um escritor determinado e exigente no melhor sentido, que saudamos ao lermos os seus livros. Ficamos com a certeza de que há a recusa à facilidade e à alienação tão desejadas por poderes, editoras e órgãos de comunicação que jogam exactamente nisso, no esvaziamento do humano, do gosto de viver em liberdade e na exigência fundamental para não morrermos estúpidos como eles querem. 

Não vai ser fácil, para o Alexandre, como escritor livre e exigente que é. Mas, livro a livro, teremos surpresas e outras realidades e sonhos, outras vidas obscuras e lutadoras pela afirmação do que nos comove e engrandece. 

Onde nos encontrarmos, sairemos melhores e renovados da sua escrita, da sua aposta no trazer o que é novo e nos ilumina. Por isso podemos afirmar que este homem, este escritor, vai continuar a escrever e a lutar pelo que é importante e decisivo no ser humano – o crescimento e a ultrapassagem do que nos atinge e fragiliza, do que nos esmaga em montanhas de mentiras, de destruição do gosto de viver e de amar o futuro. 

Parabéns ao Alexandre Hoffmann Castela e parabéns a quem o ler para melhor intervir na defesa da paz, do país que é necessário construir, na democracia e na liberdade que se tornam cada vez mais realidades a estimar e a defender.

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