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Crise social

Crise social alastra com números do desemprego

Em Lisboa e noutras cidades do país, cresce a pobreza. A redução salarial e o desemprego são uma marca de um tecido laboral profundamente precarizado e instável numa economia volátil e alicerçada em setores frágeis como o turismo. Enquanto aumentam as filas para recolher alimentos em instituições do Estado e de caridade, António Costa ameaça com uma crise política se a esquerda não aprovar o próximo orçamento do PS.

Números do desemprego são alarmantes

Há 47 mil inscritos nos centros de emprego por despedimento entre março e julho. Uma em cada cinco pessoas que se inscreveu em julho tinha sido despedida. De acordo com o Jornal de Negócios, é já a segunda principal causa do desemprego em Portugal, logo após a não renovação de contratos a prazo, que corresponde a 136 mil inscritos. Comparando estes dados com o período homólogo do ano passado, houve um aumento de 123%.

De acordo com o IEFP, no final de julho, estavam registados nos serviços de emprego do continente e regiões autónomas 407.302 desempregados, número que representa 74,5% de um total de 546.846 pedidos de emprego.

O facto é que são muitos os que antecipam um maior aumento do desemprego a partir de outubro porque apesar de o verão ter sido atípico no setor do turismo o fim da estação deverá ter ainda assim algum impacto na habitual sazonalidade do trabalho na hotelaria e restauração em zonas mais turísticas.

São números do IEFP que não surpreendem a CGTP-IN. Segundo declarações à RTP de Andrea Araújo, responsável do departamento de emprego da central sindical, “a precariedade é a antecâmara do desemprego”. “É verdade que a pandemia existe e que tem responsabilidade mas não tem toda a responsabilidade”, considera, “porque com os vínculos precários as pessoas a qualquer momento podem ser descartadas das empresas que estão a ser apoiadas para não despedir”. A dirigente sindical aponta o dedo ao governo e sublinha que os apoios deviam ser canalizados para empresas que realmente precisam e não para aquelas que tiveram elevados lucros.

Por sua vez, em entrevista ao Expresso, António Costa admitiu que “não vale a pena desvalorizar a gravidade do desemprego. É brutal e está num crescimento muito forte”. Para este ano, o primeiro-ministro avança com a previsão de 10% para a taxa de desemprego, abaixo das previsões internacionais e do próprio Banco de Portugal.

Julho para esquecer

Numa leitura mais detalhada sobre o mês de julho, de acordo com a síntese estatística publicada pela Segurança Social a 20 de agosto, o subsídio de desemprego registou um aumento de 45,4% em termos homólogos. Já o número de beneficiários do subsídio social de desemprego aumentou 97,6%. O número de prestações de desemprego aumentou 39,3% em julho face ao mesmo mês de 2019, para 221.765, tendo o subsídio social de desemprego inicial quase duplicado.

“As 221.765 prestações de desemprego processadas em julho de 2020 correspondem a um ligeiro acréscimo de 64 prestações face ao mês anterior e a um aumento de 39,3% tendo em conta julho de 2019”, não estando incluídas as prorrogações das prestações de desemprego, pode ler-se no documento elaborado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, de acordo com a agência Lusa.

O subsídio de desemprego registou um aumento de 45,4% em termos homólogos, mas uma ligeira redução de 0,3% face ao mês anterior, abrangendo 192.095 pessoas. Já o número de beneficiários do subsídio social de desemprego inicial foi em julho de 10.894, o que corresponde a um aumento de 97,6% relativamente ao mesmo mês do ano passado e a um decréscimo de 0,8% face ao mês anterior.

O subsídio social de desemprego inicial é uma prestação atribuída a quem ficou desempregado, mas que não reunia as condições para receber o subsídio de desemprego.

No âmbito das medidas covid-19, o prazo de garantia de acesso ao subsídio social de desemprego inicial foi reduzido de 180 para 90 dias. O prazo foi reduzido para 60 dias nos casos em que o desemprego tenha ocorrido por caducidade do contrato de trabalho a termo ou por denúncia do contrato de trabalho por iniciativa da entidade empregadora durante o período experimental.

São estatísticas que mostram que os beneficiários do subsídio social de desemprego subsequente caíram 13,9% em termos homólogos, mas aumentaram 6,6% comparando com junho, para 17.683. Por idades e comparando com julho de 2019, continuam a registar-se acréscimos das prestações processadas em todos os grupos etários, sobressaindo os grupos mais jovens: o grupo de 24 ou menos anos (164,6%), entre os 25 e os 34 anos (84,0%), entre os 35 e os 44 anos (43,3%), e entre os 45 e os 54 anos (30,2%)”, indica o GEP.

De acordo com as estatísticas mensais, o valor médio das prestações de desemprego foi de 502,46 euros em julho, ligeiramente inferior aos 504,65 euros em junho e superior aos 498,46 euros registados no mesmo mês do ano anterior.

Casais no desemprego aumentam

Outro dado que ilustra a crise social é o número de casais com ambos os elementos inscritos nos centros de emprego do Continente. Esta realidade aumentou 22% em julho face ao mesmo mês de 2019, para 6 560, segundo dados divulgados pelo IEFP. Do total de desempregados casados ou em união de facto, 13 120 (8,2%) têm também “registo de que o seu cônjuge está igualmente inscrito como desempregado no Serviço de Emprego”.

Os casais nesta situação de duplo desemprego têm direito a uma majoração de 10% do valor da prestação de subsídio de desemprego que se encontrem a receber, quando tenham dependentes a cargo.

Chantagem política

Quando se espera que avancem as negociações para o Orçamento do Estado (OE) para 2021, o primeiro-ministro deixou um ultimato aos partidos à sua esquerda com assento parlamentar. Para António Costa, se não houver acordo que permita aprovar o documento, o país enfrentará uma crise política.

Após terem arrancado em julho, as negociações para o OE 2021 que terá de ser entregue na Assembleia da República a 10 de outubro retomaram agora com a ideia de que este poderá ser um dos orçamentos mais difíceis dos últimos anos devido à incerteza da crise pandémica.

Este regresso ao diálogo chegou com um aviso que soou a chantagem: “Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política”, disse Costa ao Expresso. “Aí estaremos a discutir qual é a data em que o Presidente [da República] terá de fazer o inevitável”, ou seja, marcar novas eleições para que os portugueses possam escolher um novo parlamento.

Este cenário extremo avançado pelo primeiro-ministro acontece numa altura em que o Presidente da República se prepara para ficar sem o poder para dissolver parlamento em vésperas de eleições presidenciais.

Mas a ameaça de António Costa teve resposta imediata dos partidos à esquerda. “Não é o primeiro ultimato sobre crise política”, escreveu Catarina Martins no Twitter, em reação à entrevista de Costa. A líder do Bloco de Esquerda criticou a postura do líder do executivo, dizendo que este tipo de ameaças “não resolve nada e não mobiliza ninguém”. “Precisamos, isso sim, de respostas fortes à crise sanitária, social e económica. Desde logo, no OE2021“, sublinhou. “O Bloco concentra-se nas soluções para o país”.

Já o PCP em comunicado referiu que “mais do que palavras, o que decide são as opções, soluções e caminhos escolhidos para responder aos problemas nacionais”. Para os comunistas, “os trabalhadores e o povo sabem que o PCP não faltará, como não faltou, para assegurar salários e direitos, protecção social e justiça fiscal, melhor acesso à saúde e serviços públicos”. Nesse sentido, destaca o comunicado, “os problemas não se resolvem ameaçando com crises mas sim encontrando soluções para responder a questões inadiáveis que atingem a vida de milhares de pessoas e com opções que abram caminho a uma política desamarrada das imposições da União Europeia e dos compromissos com o grande capital”. E voltou a denunciar que, apesar de António Costa dizer que não quer acordos com o PSD, “é preciso que não se façam as mesmas opções que este faria”.

Antes ainda de Costa ter avisado para o risco de o país enfrentar uma crise política, Marcelo Rebelo de Sousa tinha já deixado o alerta ao governo, mas também aos partidos de esquerda quanto à “aventura” que esse cenário pode significar. “Adivinhando” o aviso de Costa, o Presidente da República antecipou-se na chamada de atenção aos responsáveis políticos.

“Desenganem-se os que pensam que se não houver um esforço de entendimento que vai haver dissolução do parlamento no curto espaço de tempo que o Presidente tem para isso que é até ao dia 8 de setembro”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa durante uma visita à abertura da Feira do Livro de Lisboa.

O subsídio de desemprego registou um aumento de 45,4% face ao mesmo período do ano passado.

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