Sociedade

Férias

Quando o verão passou a ser um direito

Foto: Artur Pastor

Para muitos, o verão é sinónimo de férias. É a estação preferida dos portugueses para gozar o descanso merecido. Tomar banhos de sol na praia, caminhar por encostas verdejantes ou visitar um museu são algumas das muitas opções escolhidas para ocupar o tempo que durante o resto do ano está ocupado com trabalho. Mas nem sempre foi assim. Em 1971, como destacou há duas semanas a revista Sábado, o suplemento O Século Ilustrado fez um especial sobre o tema com o título “Férias, uma nova atividade”. “Hoje, se não for a mais de 200 quilómetros do local de trabalho, ninguém se considera verdadeiramente de férias. Banhos? Não há como os do Algarve. Aquilo até dá gosto”, acrescentava o artigo.  Ainda se estava a quatro anos do 25 de abril de 1974 e a maioria da população não sabia ler nem escrever. 

Na teoria, o regime fascista regulamentou as férias na lei em 1937 mas na prática só em 1974 é que a esmagadora maioria da população acedeu a esse direito. Foi em 1936 que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou uma convenção que consagrava as férias pagas como direito. Em Portugal, a minoria que tinha acesso a férias só podia tirar até oito dias e apenas depois de cinco anos de “bom e efetivo serviço”. É bom lembrar que a maioria dos portugueses trabalhava no campo e que os trabalhadores rurais só alcançaram as oito horas diárias de trabalho em 1962. Com a revolução, ficou consagrado na lei o direito a 22 dias úteis de férias pagas.

Atravessar a distância que separa Lisboa do Algarve, quando só havia a estrada nacional, podia demorar entre cinco a dez horas de viagem. Sobretudo, no Verão, havia filas intermináveis e as famílias sobrecarregavam os tejadilhos dos veículos com pirâmides de utensílios e produtos de mercearia, numa complicada operação de logística. Era o tempo em que rumar ao sul significava parar em Canal Caveira, no concelho de Grândola, para almoçar. A alternativa em comboio tampouco era melhor. A viagem de locomotiva tardava oito horas.

Hoje, apesar de consagradas pela ONU na Declaração Universal dos Direitos do Homem, desde 1948, e na Constituição da República Portuguesa, desde 1976, as férias periódicas pagas continuam a ser objeto de disputa. Em 2003, os trabalhadores conquistaram 25 dias de férias, dependendo do número de faltas injustificadas dadas ao longo do ano. Quase uma década depois, em 2012, através do acordo assinado entre a troika e PS, PSD e CDS-PP, o governo liderado por Passos Coelho e Paulo Portas retirou essa medida, para além de acabar com quatro feriados. Já este ano, em abril, o governo regional da Madeira avançou com a proposta de que os funcionários públicos desta região autónoma voltassem aos 25 dias de férias. No continente, os trabalhadores foram confrontados no mês passado com a oposição do governo PS, que se aliou à direita, uma vez mais, para rejeitar as propostas do PCP e do BE que pretendiam a reposição daquele direito. Se é certo que a maioria dos trabalhadores vê as férias como o período do ano em que pode estar mais tempo com familiares e amigos, a história da luta pelo direito ao descanso mostra que nem sempre foi assim. Foram muitas as gerações que se bateram por esse direito sem nunca o poderem exercer. Uma história que não pode cair no esquecimento.

Breve história de uma luta

Durante vários séculos, quando apenas os domingos, e nem sempre, eram considerados dias de descanso, e a restante semana se esgotava em horários de trabalho extenuantes para a maioria da população, as férias foram um privilégio das elites. 

No fim do século XIV, a palavra inglesa vacation e a francesa vacances significavam a interrupção de uma atividade. Era sinónimo de um tempo de repouso e, no século XV, estas palavras aparecem vinculadas a períodos do ano em que era interrompida a atividade nas escolas, universidades e tribunais. Apesar das diferenças evidentes, a palavra férias em português, como vacation e vacances, tem origem no latim. Enquanto férias vem de feriae, dias em que os romanos não trabalhavam por razões religiosas, a versão inglesa e francesa vem de vacationem, que se refere a lazer ou folga do trabalho que deriva de vacare, cujo significado remete para vazio e livre. No século XIX, o dicionário francês Larousse traduzia férias como a “estadia que se faz no campo para distração” quando já existia o hábito, entre a aristocracia e os homens de negócios, de passar longas temporadas, sobretudo nos meses de verão, em palácios e solares. 

É também neste período que os médicos começam a aconselhar com mais frequência a mudança de ares com fins terapêuticos, sobretudo no combate à tuberculose, bem retratado em A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Para o efeito, havia já sanatórios que ofereciam, para além de passeios pela natureza, atividades lúdicas que podiam incluir bailes e jogos de diversa índole. O prestígio destes espaços atraiu rapidamente uma burguesia que, desde a revolução industrial, acumulava mais poder e tratava de imitar a aristocracia alugando casas de campo ou quartos em hotéis.

Alheios a esta realidade, os trabalhadores, que correspondiam à maioria da população, cada vez mais submetidos à fadiga da produção industrial ou à exaustão do trabalho agrícola sol-a-sol, reivindicavam a jornada laboral de oito horas diárias contra o limite, muitas vezes violado, de 15 horas de trabalho estabelecido na Grã-Bretanha, desde 1496. Em 1817, Robert Owen, socialista utópico, reivindica oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de descanso mas só em 1847 é que os britânicos conquistam as 10 horas diárias de trabalho e, no ano seguinte, foi a vez dos trabalhadores franceses alcançarem as 12 horas com a revolução de 1848. Três décadas depois, Paul Lafargue agitava as águas através de O Direito à Preguiça, ensaio que escreveu como resposta a O Direito ao Trabalho. No panfleto, o marxista francês defendia que o trabalho moderno é resultado de uma imposição do capitalismo e reclamava direitos de bem-estar e a revolução social.

Teve de passar mais de meio século para que, finalmente, um país consagrasse na sua legislação o direito a férias pagas. Foi já no século XX, com a revolução de Outubro, que cumpriu o centenário no ano passado, que os povos da que viria a ser a União Soviética conquistaram algo que, hoje, parece absolutamente normal. Em França, por exemplo, a semana de 40 horas semanais só chegou em 1936 com a vitória da Frente Popular e com ela também o direito a 15 dias de férias pagas. Numa época em que andar de automóvel era um luxo, os operários franceses deslocavam-se de bicicleta ou de comboio. Um tempo em que só os patrões dormiam em hotéis e os trabalhadores em tendas de lona.

Direito a férias

O trabalhador tem direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil e que, em regra, se reporta ao trabalho prestado no ano civil anterior, não estando, porém, sujeito à assiduidade ou efetividade de serviço, à exceção dos casos expressamente previstos na lei.

Este direito é irrenunciável e, como tal, não pode ser substituído por qual compensação económica ou outra, salvo nos casos previstos na lei.

O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis. Consideram-se dias úteis, mesmo para os trabalhadores por turnos, os dias de semana de segunda a sexta, com exceção dos feriados.

No caso de os dias de descanso do trabalhador coincidirem com dias úteis, são considerados para o cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados.

Se o trabalhador adoecer durante o gozo das férias, estas são suspensas, desde que o empregador seja do facto informado, prosseguindo, logo após a alta, o gozo dos dias de férias compreendidos ainda naquele período. Os restantes dias serão marcados por acordo ou, na falta deste, pelo empregador e sem sujeição ao período legal de férias.

Artigo publicado n’A Voz do Operário em julho de 2018.

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