São 33 os trabalhadores que fizeram quase triplicar a faturação da histórica cervejaria portuense praticamente na falência por má gestão. Lutam pelos postos de trabalho e pela viabilidade do estabelecimento.
Os trabalhadores da cervejaria Galiza já desconfiavam de que algo estranho se passava. Uma marca de cerveja artesanal aparecera dias antes no estabelecimento para levar as cubas que diziam ter uma avaria. Então, António Ferreira e outro colega que mora ali perto decidiram montar vigilância à cervejaria na segunda-feira seguinte, dia de fecho semanal da Galiza. “O meu colega ligou-me à hora de jantar”, conta o empregado à A Voz do Operário, “porque viu vultos dentro da cervejaria”. Era a administração a arrumar o material e a preparar-se para esvaziar as instalações. Rapidamente, avisaram os restantes colegas, o Sindicato de Hotelaria do Norte e a comunicação social
A mobilização rápida foi essencial. Apesar de a advogada da administração ter pedido à polícia para evacuar a cervejaria, o chefe da PSP reconheceu que se tratava de uma questão laboral e que devia ser resolvida pela via negocial. A partir daí os trabalhadores tomaram conta do estabelecimento e deram uma nova vida ao espaço. Em 2011, a administração contratou um gestor que deixou uma dívida de 1,8 milhões de euros ao Estado e 200 mil a pequenos fornecedores. Em 2016, a administração recorreu a um plano especial de revitalização para empresas e os trabalhadores passaram a receber o salário em prestações. Em 2018, a mesma administração achou que a solução era contratar um consultor que começou a mudar os pratos que a casa oferecia com a consequente perda de clientes e decidiu contra a vontade dos trabalhadores que a cervejaria fechasse às segundas-feiras. O que administradores, gestores e consultores não conseguiram foi alcançado pelos trabalhadores que sempre ali estiveram com salários em atraso.
“Temos agora a casa faturar o dobro do que faturavamos antes e isso permitiu-nos receber o subsídio de natal de 2018, o mês de outubro e estamos a pagar contas correntes. Iam cortar a luz e o gás e também já as estamos a pagar”, descreve António Ferreira que ali trabalha há 33 anos. Agora, são estes homens que decidem sobre como é gerido o fruto do suor do seu esforço diário. As responsabilidades são divididas entre os 31 empregados da cervejaria Galiza que voltaram a ter casa cheia. São muitos os que optam por não folgar para já para defender os postos de trabalho e continuam a fazer turnos de vigilância durante a madrugada.
Três décadas passadas, António acha que todos se sentem mais valorizados por gerirem a própria casa e ninguém sente falta de um patrão. “Estava há pouco a falar com um cliente e a dizer-lhe que há muita gente que pensava que não era possível um novo PREC (Processo Revolucionário em Curso) mas temos aqui no Porto um PRECzinho”, gracejou antes de pedir que a juventude “ponha os olhos nisto” e que entenda que não basta apenas lutar nas redes sociais porque “há momentos em que é preciso tomar decisões no local de trabalho”.
Sindicatos e partidos solidários com trabalhadores
Desde que os trabalhadores passaram a gerir a cervejaria, foram inúmeras as demonstrações de solidariedade recebidas. Para além do apoio do Sindicato de Hotelaria do Norte e da visita de uma delegação da CGTP encabeçada por Arménio Carlos, secretário-geral. Também o PCP visitou o estabelecimento com a presença de Jerónimo de Sousa e outros dirigentes regionais e locais. “Estamos nesta fase intermédia de definição do caminho e, neste sentido, tendo em conta esta situação, o governo pode dar aqui uma contribuição positiva, na exata medida em que haja disponibilidade por parte dos detentores da [Cervejaria] Galiza e isso possa corresponder a uma saída onde todos saiam bem”, afirmou Jerónimo de Sousa, que jantou no estabelecimento.
Foi ainda a CDU, através de Ilda Figueiredo, vereadora na Câmara Municipal do Porto, que um grupo de deputados e vereadores de vários partidos, entre os quais do PS, onde se encontrava o presidente da autarquia, Rui Moreira. A autarquia aprovou ainda por unanimidade uma moção da CDU para “expressar pública e institucionalmente” a todas as entidades envolvidas, um apelo à viabilização da Cervejaria Galiza. “Acho que é impossível votar contra a sua moção. (…) compreendo a boa intenção e acho que é bom que a cidade, à volta destes estabelecimentos, tenha esta atitude, é por isso que nós somos uma cidade diferente. Eu diria que temos uma cidade patriótica e nós achamos que todas estas coisas fazem parte de nós”, afirmou Rui Moreira em resposta à proposta da vereadora.
Outra das visitas ao local foi feita por Catarina Martins, coordenadora do BE, que manifestou a sua solidariedade com os trabalhadores da cervejaria, “porque a situação deles é muito complicada” e recordou que “os trabalhadores foram confrontados com o facto dos donos da empresa estarem a tentar tirar tudo das instalações, não lhes pagando os salários que lhes devem”.
Fundada a 29 de julho de 1972, a cervejaria detida pela empresa Atividades Hoteleiras da Galiza Portuense é uma das referências do Porto no setor da restauração e situa-se na Rua do Campo Alegre.