Entrar n’A Voz do Operário é, muitas vezes, mergulhar numa comunidade de iguais entre diferentes. Acontece tanta coisa ao mesmo tempo entre as paredes da instituição, na Graça, que às vezes quem entre pode não dar-se conta de que está a haver um debate no auditório João Hogan, uma exposição na sala associativa ou uma peça de teatro no salão. É um organismo vivo em que mulheres, homens e crianças são protagonistas de um projeto ímpar que privilegia a interajuda, o respeito e o trabalho coletivo.
O Centro de Convívio é um dos pilares da atividade associativa d’A Voz do Operário. Dezenas de idosos dão corpo aos princípios de solidariedade com atividades que enriquecem a vida de quem nelas participa e também da instituição. Se é certo que muitas vezes se pode achar que as diferentes realidades que habitam a Voz são estanques, a verdade é que elas se intercruzam e comunicam entre si. Não são poucas as vezes que os mais pequenos realizam atividades em conjunto com os mais velhos.
Um grupo de mulheres conversa entre si enquanto vários homens jogam ao dominó. Idalmina Ribeiro é uma dessas protagonistas. Aos 87 anos, frequenta o Centro de Convívio há cerca de 10 anos. Ao seu lado, Isaltina Dias afirma que tem 84 e vem aqui há sete anos. Maria Almeida está no espaço há cinco anos e tem também 84. Já Francisca Barros é uma veterana. Tem 81 anos mas vem há mais de 20 anos. Maria Bandeira, a mais nova do grupo, tem 77 e frequenta A Voz há apenas dois anos.
O jornalista é imediatamente assaltado por meia dúzia de histórias que ilustram vidas difíceis construídas com muito suor por estas mulheres. Uma delas explica que nasceu em Vila Boim, Elvas, e que comia com a família “uma sardinha para três”. O pai achava que só os rapazes é que deviam ir para Lisboa estudar. “As raparigas não parecia bem”. Mas conseguiu vir para Lisboa com uma tia aos 15 anos.
Outra explica que até aos 12 anos andou a apanhar trigo e azeitonas no campo mas que fez a quarta classe e veio depois para a capital trabalhar numa camisaria no Martim Moniz. Duas das mulheres descrevem que foram costureiras a vida toda. “O meu pai fazia calçado para o gado”, recorda uma. “Quando fiz a quarta classe estava apta para fazer a primeira comissão mas tinha que se ir a Portalegre. A professora fez um escrito a dizer que eu estava apta para entregar ao meu pai. Ele leu e disse quer era só o que mais faltava eu ir sozinha para Portalegre. ‘Fazes a quarta classe e já tens muito’. Depois fui para a costura”.
As histórias repetem-se sobre um tempo em que o país estava esmagado sob o peso do fascismo. “Para nós raparigas não havia escola e quando eu tinha tinha onze anos passou a ser obrigatório estudar até aos 13. Mas o meu pai teve o desplante de mandar uma carta à minha mãe a dizer que se houvesse alguém que pagasse a multa ele não se importava de pagar para eu não ir para a escola”.
Ali ao lado, António Almeida, de 92 anos, Joaquim Lopes Correia, de 87, e Albertino, de 88, estão concentrados no dominó. Vão respondendo às perguntas desfiando vários episódios das suas vidas. São também gente de trabalho. Por trás das peças, há um antigo porteiro de uma pensão, um papeleiro que trabalhava num armazém de papel e um ex-operário da União Fabril que depois foi merceeiro.
Mas estas mulheres e homens são já uma família que se dedica a todo o tipo de atividades. Para além das conversas, fazem ginástica, trabalhos manuais e visitas guiadas a diferentes lugares. Todos sentem que ganham em estar aqui. E até têm saudades quando estão demasiado tempo fora.
Uma das mais faladoras explica que em fevereiro deste ano partiu o fémur e que esteve sete meses em casa do filho a recuperar. “Já tinha muitas saudades”. Preocupada com a recuperação, decidiu repetir em casa alguns dos exercícios que fazia n’A Voz do Operário. Quando chegou à fisioterapia, as técnicas ficaram surpreendidas porque achavam que estaria acamada e sem se mexer. “Se eu não tivesse feito aquilo eu não andava como ando”.
Mas estas mulheres e homens não são alheios à condição da maioria dos idosos em Portugal e denunciam que “devia respostas e soluções do Estado”. Sabem que há muitos reformados e pensionistas que estão sozinhos, praticamente ao abandono. Recordam, então, os diferentes passeios que fizeram com A Voz do Operário. Sintra, a Quinta Pedagógica dos Olivais, o Museu Fernando Pessoa e uma ida ao teatro estão entre as diferentes atividades exteriores que se realizaram no último ano.
Questionada sobre qual é a sensação de trabalhar diariamente no Centro de Convívio, Vanderleia é inequívoca. “É uma aprendizagem. Aprendo todos os dias com eles. Fazemos um pouco de tudo”. E concorda que é “como se fosse uma família”. De tal forma que quando falta um dos idosos tentam ligar-lhe para saber se está tudo bem.
Inscrições abertas para o Centro de Convívio
O Centro de Convívio é um espaço aberto e inclusivo onde quem se inscreva pode continuar a desenvolver aptidões até ao fim da vida. “Aqui têm oportunidade de desenvolver atividades e novas experiências, de conhecer outros lugares, de ter acesso a outras informações. Por exemplo, há sessões de informação para a saúde”, explica Rita Governo. “Venham conhecer o espaço. Aqui respeitamo-nos mutuamente e tentamos fazer o melhor possível para que estas pessoas se sintam o melhor possível”.
Para a inscrição é necessário que se faça sócio d’A Voz do Operário. Para mais informações pode contactar a secretaria do espaço na Graça.