Se o direito à saúde é constitucional, o Estado garante-o e constrói hospitais e forma médicos, enfermeiros e todos os outros técnicos necessários. Se o direito à educação é constitucional, o Estado constrói escolas de todos os graus e garante o seu funcionamento.
Se a proteção civil é fundamental como garante de vida para todos nós, o Estado tem a obrigação de instalar sistemas de segurança e construir as infraestruturas necessárias.
E tudo isto em benefício de todos e sem lhes perguntar quanto ganham ou quem se responsabiliza pelo pagamento.
Se o direito à circulação de pessoas e bens é fundamental para a vida de um país, o Estado (e aqui se inclui o Poder Central, o Poder Local e o conjunto da sociedade) constrói rodovias e ferrovias, portos e aeroportos, normaliza e fiscaliza o seu uso e, inclusivamente, tabela os serviços de transportes públicos privados, como por exemplo os táxis.
Se o Estado reconhece o abastecimento alimentar como garantia de saúde pública e bem-estar da população, regulamenta essa atividade na indústria agroalimentar, em feiras e mercados, em restaurantes e lojas e para isso criou um corpo especial de fiscalização com competências que vão até à repressão de preços especulativos.
Então apetece perguntar: porque é que o Estado não encara o Direito à Habitação, que também é um direito constitucional, da mesma forma como o direito à saúde, à educação, à circulação, à segurança alimentar e à qualidade ambiental e perante a situação em que se encontra hoje o problema da habitação estimula a iniciativa privada e permite que seja o mercado a ditar o valor das rendas.
Anda a especulação à solta, sem controle nem contingentação na produção nem relação coerente entre a qualidade do que é arrendado e a renda que é exigida.
Dizem as estatísticas que 98% da habitação que se constrói no país provém do setor privado e 2% do setor público (com qualidade, custos e distribuição da responsabilidade estatal).
Aqui chegados convida-se o leitor a acompanharnos num breve exercício de ficção política: imaginese que 98% dos hospitais do país eram privados; 98% das escolas do país eram privadas; 98% das estradas do país eram privadas; em 98% dos transportes públicos do país os preços eram liberalizados; 98% dos alimentos consumidos no país não estariam sujeitos a qualquer controle de preço e qualidade; 98% das indústrias poluentes do país poderiam lançar nos ares e nas águas tudo o que entendessem…
Longe vá o agouro.
Porque a verdade é esta: desde o tugúrio à mansão tudo é lançado no mercado com o senhorio a puxar pela renda máxima e o inquilino enredado na taxa de esforço.
Talvez a consciência deste estado de coisas conduza a esferográfica dos eleitores no próximo ato eleitoral para o quadradinho da força política que no seu programa inscreva maior verba para alojamento do maior número porque, em resumo, mais casas só com mais Estado.