Entrevista

“1.º de Maio dá força aos trabalhadores para verem que não estão sós”

É coordenadora da direção regional do Porto do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços (CESP), organização sindical que, desde há anos, convoca greve no dia 1.º de Maio para permitir a participação dos trabalhadores nas manifestações e para contestar o trabalho aos domingos e feriados. Inês Branco considera ainda que a decisão de abrir creches até à meia noite é criminosa, promovendo a desregulação de horários laborais, e pondo em causa o bem-estar das crianças.

Porquê encerrar o comércio ao domingo?

O comércio não é uma atividade imperiosa para a sociedade. Não é um hospital, não são forças de segurança. Não há nenhuma razão que o justifique. Se calhar, o pessoal mais jovem dá como adquirido, mas não é uma realidade assim tão distante o comércio estar encerrado ao domingo. Aliás, o comércio estava encerrado a partir de sábado à tarde, e a vida era normal. E, sobretudo, os trabalhadores do comércio merecem o direito ao descanso, ao tempo de lazer, ao tempo com a família. Muitas vezes – e é um dos argumentos dos patrões, que os devia envergonhar profundamente – dizem haver trabalhadores que pedem para trabalhar aos domingos ou feriados, para ganharem mais. Nós sabemos que isto é uma realidade, porque os salários são tão baixos que muitos trabalhadores, para se organizarem e cumprirem com as suas despesas, precisam de fazer estes pedidos. É porque, de facto, os salários são muito baixos, no setor que é: salários baixos, horários altamente desregulados, com muitas consequências para a vida pessoal, para a vida familiar, como já temos alertado. Esta é uma reivindicação antiga dos trabalhadores do setor e faz cada vez mais sentido. Portugal é dos países da Europa com os horários mais alargados no comércio. Enquanto sociedade, seria uma mudança muito importante para o próprio uso do tempo livre, não só dos trabalhadores, mas da população em geral, de não estar detida num centro comercial aos domingos e aos feriados.

Pode dizer-se que hoje a batalha por ter tempo para viver é uma luta fundamental?

Sim. E não só neste setor. Os sindicatos da CGTP têm quase todos essa reivindicação como prioritária. De facto, nós não conseguimos pôr, à cabeça, outra reivindicação que não o aumento dos salários, porque é a partir do salário que tudo ganha outro peso. Mas, neste setor em particular, a questão do tempo para viver e da desregulação dos horários é uma grande emergência. Não há razão nenhuma para não termos, no nosso país, as 35 horas semanais, em todos os setores.

A redução do horário de trabalho no setor do comércio seria justa. Temos, obviamente, realidades muito diferentes no comércio, nos escritórios e nos serviços. Se formos para a grande distribuição, observamos a questão do trabalho por turnos, dos horários que, mesmo regulados a partir da contratação coletiva, não são cumpridos. E não são cumpridos pelas maiores empresas, não é pelo senhor que tem uma mercearia ali de comércio tradicional.

Ainda em relação ao tempo, o governo de António Costa autorizou a abertura de creches até à meia-noite e aos fins de semana. Em que medida é que isto foi uma má notícia?

É muito difícil exigir responsabilidades às famílias, de vários pontos de vista, sobre o acompanhamento [aos filhos] e nós sabemos das notícias que têm surgido no nosso país e dos alertas gravíssimos para muitas situações. Estamos a falar de um país em que a grande dificuldade é os pais conseguirem passar tempo de qualidade com os seus filhos. O setor do comércio é um setor maioritariamente feminino, e isto tem implicações desde o início porque, quando a trabalhadora fica grávida, a sua vida é logo dificultada. É muito difícil acompanharmos essa questão das creches que, no nosso entendimento, está profundamente errada. Cientificamente não faltam estudos que indiquem que é profundamente errado normalizar a ideia de deixar assim uma criança [até tão tarde]. Estou a dizer criança para ser mais levezinha, porque muitas vezes são bebés, a partir do momento em que a licença termina. E não devia ser preciso vir um sindicato dizer que há grandes implicações para a criança como, por exemplo, interromper-lhe o sono para ir para casa, porque está na creche.

O CESP fez um debate em frente à creche que está no UBBO da Amadora, que pertence ao Grupo Auchan. E enquanto estávamos nesse debate, vimos exatamente isso: crianças a entrar a horas muito diferentes, que estão a cumprir os turnos e os horários de trabalho desregulados dos pais e que estão a crescer preparados para a desregulação de horários. Tivemos conhecimento de uma creche, de iniciativa privada, em Braga, aberta 24 horas. E também se inclui aqui a questão do encerramento aos domingos e feriados, decisões políticas que, claramente, não podem estar na mão das grandes empresas. Não podem ser os grandes grupos económicos, no nosso país, a decidir sobre encerrar o comércio aos domingos e feriados ou sobre os horários das creches para os filhos dos seus trabalhadores. O interesse do Estado tem de ser o melhor para a sua população e a melhor organização para o nosso país.

Vamos ter eleições legislativas dia 18 de maio. Fala do papel do Estado e do poder político. Acha que os últimos governos têm cedido mais aos interesses das empresas do que dos trabalhadores?

Tenho a certeza. E não é o último governo, são os últimos. PSD, PS e CDS deram as mãos uns aos outros, sempre que foi preciso pôr em causa qualquer melhoria para a vida dos trabalhadores, e sempre que foi preciso dar uma borlinha fiscal aos grandes grupos económicos. No dia 18 de maio, aos trabalhadores do comércio, não faltam razões para votar. Por exemplo, a grande distribuição tem a contratação coletiva bloqueada pelos patrões e, por isso, o salário mínimo nacional e o seu aumento é de extrema importância para os trabalhadores deste sector. Quem trabalha no comércio tem a oportunidade de ver as posições dos partidos quanto à iniciativa legislativa do encerramento do comércio [aos domingos e feriados], em que fica muito claro quem é que os trabalhadores vão ter do seu lado, quem está contra, e quem é que até se prestou – na audição com os patrões – a dar garantias para estes estarem sossegados, que isto não seria aprovado. E, já agora, nesta audição, eu daria especial destaque ao PS, porque fez questão, antes de ouvir os trabalhadores que submeteram a iniciativa, de deixar os patrões tranquilos porque não iria aprovar esta medida.

Há pouco dizia que a maior parte dos trabalhadores do comércio é composta por mulheres. De que forma é que conseguimos eliminar as diferenças que existem entre homens e mulheres?

É um setor maioritariamente feminino, como o nosso sindicato, a sua estrutura sindical, a direção e os seus órgãos refletem. Mas seria muito importante em qualquer setor, não apenas no comércio, até por causa da questão da desregulação de horários, que houvesse uma proteção social associada à parentalidade muito melhor, porque é mesmo a mulher que engravida. Depois, os pais são os dois e as leis da parentalidade estão feitas para isso. Sabemos que, na prática, o normal é a empresa olhar muito mais para as mulheres como cuidadoras, como as que vão faltar ao trabalho para ir com a criança ao médico. Tem de haver mais proteção para combater esta desigualdade e, sobretudo, esta pressão sobre as mulheres.

O que significa, hoje, ser mulher e ser sindicalista?

Hoje, ser sindicalista, homem ou mulher, significa muito. Significa que o movimento sindical está vivo e tem futuro, porque continuamos a ter muitos jovens, e essa tem de ser a nossa prioridade. É muito importante termos sindicalistas que todos os dias tentam encontrar, com os outros trabalhadores, forma de os organizar e de serem eles também sindicalistas ou ativistas sindicais, delegados. Sobretudo, trabalhadores informados.

Ser mulher e ser ativista sindical ou delegada ou dirigente, na verdade, ativista de qualquer tipo, no nosso país e na nossa sociedade, tem sempre algumas dificuldades acrescidas, porque nós sabemos que, apesar do 25 de Abril, e já lá vão uns anos, ainda há muitos contextos em que não é dado espaço à mulher para a participação política, como é dado aos homens.

A questão, sobretudo da maternidade, de ideias que já não deviam existir mas que existem, de que alguém tem que tomar conta da casa, faz com que, muitas vezes, em cada casa, haja espaço para que o homem tenha as suas opiniões e faça alguma coisa com elas. E que a mulher, mesmo que tenha muitas opiniões, não tenha espaço para essa participação. Felizmente andámos muito. Mas acho que as mulheres continuam a ter dificuldades acrescidas em qualquer tipo de participação cívica.

Às vezes tenta-se dar a ideia de que os sindicatos são uma coisa já anacrónica, do passado. Qual a importância do movimento sindical nos dias de hoje?

Passaram anos e anos a tentar transmitir essa ideia e, por isso, essa ideia passa. Muitas vezes, vamos aos locais de trabalho, ou a uma escola, e há as mesmas questões sobre o que é um sindicato. Essa é a grande missão, o grande trabalho de qualquer delegado, ativista, ou dirigente sindical: tentar perceber que essa realidade não é assim porque os trabalhadores ficaram, de repente, menos explorados. É porque, muitas vezes, perderam consciência por causa do mundo em que vivemos e do estado em que isto está. Aliás, nem têm tempo para ganhar consciência da sua exploração. Agora, os sindicatos e o movimento sindical continuam a fazer todo o sentido a partir do momento em que o confronto entre o trabalho e o capital não é uma coisa que está nos livros antigos e empoeirados, está na nossa vida, todos os dias. É a partir da sua vida e dos seus problemas concretos, ali, no local de trabalho, do seu salário, que [os trabalhadores] conseguem perceber a injustiça e que não tem de ser assim.

E que significado tem hoje o 1.º de Maio?

O 1.º de Maio é o grande dia de luta para o nosso sindicato. É exatamente por isso que o CESP emitiu um pré-aviso para todos os setores do sindicato e um pré-aviso específico para a grande distribuição, pelos problemas e as exigências muito específicas que tem. É um dia verdadeiramente de luta, até porque é um setor que trabalha no feriado. E não é um feriado qualquer, é o nosso dia, o Dia do Trabalhador e, por isso, a grande prioridade do CESP é construir uma grande greve, falar com os trabalhadores, para que participem nas manifestações do 1.º de Maio. É essa experiência que dá, muitas vezes, força aos trabalhadores para olharem à volta e verem que não estão sós. É todo um país, são todos os setores.

Artigos Relacionados