Recentemente, e tal como há já alguns anos acontece pelas contingências da vida familiar, estive a assistir a aulas de natação com crianças. Dei por mim a pensar que escrever sobre o que ali contemplei, poderia ser uma forma eventualmente útil de contribuir para um tema que deveria ser mais claro, para quem para ele olhar com olhos de ver.
Observava diferentes crianças, de diferentes idades, que tinham perto de si os respectivos professores dos diferentes grupos, organizados por faixas etárias. Uma das professoras ali presente é uma pessoa que conheço vagamente há já alguns anos. Conheci-a, através de um amigo, enquanto aluna universitária do curso de Educação Física e era, na altura, alguém muito entusiasmada com a perspectiva de vir a ser professora, característica aliás, que, felizmente, não parece ter desaparecido com o tempo e as desilusões que tantas vezes acompanham os professores em Portugal.
Tanto quanto sei, esta professora não foi nem é nadadora. É alguém que estudou e domina os princípios básicos da natação e a forma como passar esta compreensão técnica através de exercícios e práticas que visam ajudar outras pessoas, principalmente crianças, a iniciar uma relação de aprendizagem nesta actividade física. Esta pessoa estudou para poder compreender os mecanismos que envolvem o processo de movimento e deslocação eficaz em meio aquático, sendo necessário que domine estes princípios básicos, para os poder passar e ajudar devidamente a desenvolver. Esta professora não precisa de ser nadadora de alta competição ou ter uma formação avançada nesta área. Acima de tudo, precisa de entender, de forma aqui simplificada, duas coisas: como se deve movimentar e comportar em meio aquático e, mais importante, como as crianças e jovens aprendem a desenvolver as competências básicas para estarem e movimentarem-se em meio aquático. Aqui a palavra básica tem uma importância particular. Básico é aqui dito no sentido de fazer parte da base, onde depois, o tudo ou o quase nada se poderá sobrepor, se assim entender aquele que aprende.
Um dia, poderá tornar-se fundamental que alguns destes miúdos passem a ter consigo não esta professora de quem vos falo, mas alguém altamente especializado em natação, eventualmente numa vertente de competição. Alguém cujo conhecimento e experiência específicos nesta área serão essenciais para que possam continuar, se assim escolherem, a aprofundar a sua relação com o meio aquático e a desenvolver as necessárias técnicas que lhes permitirão ter um desempenho cada vez melhor. Precisarão estar rodeados de pessoas cujo conhecimento se exige mais profundo e complexo do ponto de vista técnico e, consequentemente, mais capazes de transmitir o que, dali para a frente, será necessário.
Mas ali, naquela piscina, onde se está a fazer um processo de iniciação, mais do que desnecessário, pode ser potencialmente desastroso ter alguém apenas altamente especializado numa determinada área do saber, principalmente se só tiver uma das duas competências essenciais que aqui falámos – como se deve movimentar e comportar em meio aquático. Podemos perguntar – de que serve ter alguém que sabe muito sobre um determinado tema mas que nada sabe sobre como ajudar alguém a aprender sobre esse tema? É de aprender, então, que estamos a falar, muito mais do que de ensinar.
Nesta etapa, quando ainda se está a contactar com aquilo que se considera básico e, por isso, essencial para posteriores aprendizagens, é fundamental que os professores saibam, acima de tudo, como os miúdos aprendem; muito mais do que aquilo que os adultos sabem sobre uma determinada área específica do conhecimento.
A partir desta “analogia aquática”, olhemos para o que o actual governo e principalmente o Ministério da Educação (ME) fizeram ao decidir que, a partir do início do presente ano lectivo, ser licenciado numa determinada área equivale automaticamente a poder ser responsabilizado pelo processo de aprendizagem e aquisição de competências e conhecimento das crianças e jovens do nosso país. Depois de alguns anos de um ME a produzir documentos orientadores que pareceram ser uma tentativa de fazer um caminho mais próximo de uma concepção de diferenciação pedagógica, assente numa lógica de crescente participação dos alunos no seu processo educativo, a mesma estrutura governativa decide agora que esse caminho pode ficar à responsabilidade de adultos que poderão ter tido uma total e absoluta ausência de contacto com o conhecimento científico na área da Educação e Pedagogia. Dizemos que o futuro do nosso país e a forma como decidimos organizar o trabalho em torno da estruturação académica, social, cognitiva e psicológica de todas as crianças e jovens portugueses pode ser assegurado por adultos que nunca aprenderam a fazê-lo através dos processos e instrumentos científicos criados para esse efeito.
Infelizmente, sabemos que muitas destas pessoas tentarão a sua sorte como professores, não pelo amor à educação, mas pela dificuldade de integração no mercado de trabalho na sua área de especialização. O governo empurra assim para a frente de miúdos – a quem diz que ir à escola não é uma escolha – adultos que poderão não ter tido outra escolha para sobreviver que não voltar à escola.
Depois de vários anos de um ataque sucessivo à classe dos professores pelos diferentes governos, que teve como resultado o abandono sucessivo e progressivo do interesse por esta profissão, o actual governo decide que a solução não passa pela verdadeira valorização de uma das classes profissionais mais importantes de qualquer sociedade, mas antes pisar mais um pouco na dignidade de todos os que estão na escola.
Estamos por isso perante uma das mais desastrosas decisões que o actual governo já tomou. Porque é um governo de um tempo em que ainda não se entende que ser técnico não é ser professor, que saber falar de um tema não é ajudar a entender um conteúdo, que o saber fazer está muito longe do saber ensinar e que o conhecer está profundamente distante de garantir o entendimento de como se aprende.