Sociedade

MARÇO E A LUTA DAS MULHERES

Donos do sofá

«Acordei cansada (quando foi a última noite que dormi bem?), despachei os miúdos, sempre a mesma correria, tentar não chegar atrasada ao trabalho.

Regresso do trabalho, faço qualquer coisa para o jantar (esqueci-me outra vez de comprar legumes!), deito os miúdos. Ele vai para a cama mais cedo e eu digo já vou. Tive um dia difícil, preciso deste momento só meu no sofá, vou só petiscar umas batatas fritas enquanto vejo esta série. Estou tão cansada… mas é o único momento do dia que tenho só para mim. Vou dormir, amanhã acordo cedo. Ele já está a ressonar. Não dormi nada de jeito e acordei novamente com esta dor no pescoço que não me larga (não me posso esquecer de falar à minha médica disto).»

As dores crónicas musculo-esqueléticas e o sono não reparador são queixas frequentes na consulta. 

Vivemos cheios de tarefas e são poucos aqueles que se sentem donos do seu tempo. 

Não temos tempo para praticar atividade física durante a semana e no fim de semana precisamos descansar. Temos menos tempo de qualidade com quem amamos, andamos tão cansados. 

Precisamos sentir que controlamos e que temos prazer com alguma coisa na nossa vida. E, frequentemente, isso acontece ao final do dia, depois de todas as tarefas cumpridas, no sofá. 

E passam anos. E vamos ao médico, queixamo-nos que não dormimos bem, que «está a ser difícil concentrar-me no trabalho, ando mais ansiosa porque a minha mãe está doente e tenho de lhe dar apoio, a minha filha adolescente está numa fase difícil e para complicar, acho que posso estar a entrar na menopausa». Saímos da consulta médica com uma receita com vários medicamentos para adormecer uma dor física e da alma, de forma a continuarmos funcionais.

Haverá alguma coisa neste ciclo que possamos mudar e passar a controlar? Ajudaria se associássemos a atividade física a uma fonte de prazer e de controlo da nossa vida, algo que escolhemos fazer por nós e que nos faz bem, em vez de ser vista como mais uma tarefa a cumprir. 

A atividade física aeróbica tem vários benefícios reconhecidos na saúde física e psicológica, melhora o sono, favorece a auto-estima e consequentemente melhora as relações interpessoais. A escolha do tipo de atividade que dará prazer a cada um é um processo individual e por isso muitas pessoas não se sentem satisfeitas e não aderem às tão famosas e gratuitas caminhadas. 

O tema é complexo, envolve uma reflexão sobre as condições de trabalho, redes eficientes de transporte públicos que diminuam o tempo de deslocação casa-trabalho, acessibilidade a diferentes tipos de atividade física, apoios sociais, custo de vida e da alimentação, etc. Tudo tem impacto na nossa saúde. 

Podemos e devemos lutar por uma vida mais equilibrada e justa, mas a verdade é que muitas vezes não conseguimos mudar os fatores acima descritos. Apesar disso, conseguiremos implementar algumas mudanças, pequenas que sejam, que nos deem prazer e sejam benéficas para a nossa saúde? Que bom seria que passássemos a ter mais prazer e controlo das nossas vidas fora do sofá. 

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