No dia 10 de Maio de 1931, A Voz do Operário esteve no epicentro da resistência democrática em Portugal.
Era a ditadura militar que mandava. E cantava vitória. Apoiada na cumplicidade da marinha de guerra inglesa, vinha de sufocar uma insurreição armada na ilha da Madeira. Em Lisboa, tinha esmagado uma onda de contestação estudantil.
Mas nem todos os ventos sopravam a seu favor.
Em Espanha, caíra a ditadura do general Primo de Rivera e a própria monarquia da família Borbón. Na Alemanha, o poder político e económico ainda não entregara o governo nas mãos do nazi Adolf Hitler.
Naquele momento, em Portugal, o regime militar anunciou eleições. O general Carmona prometeu que “as eleições serão livres e que nelas poderão exprimir a sua vontade todos os cidadãos” [Diário de Lisboa, 23.05.1931, p.7].
Esta perspectiva deu origem a uma primeira frente de unidade da oposição democrática. Teve o nome de «Aliança Republicana-Socialista». E suscitou um certo entusiasmo, de norte a sul do país.
Pois o impulso para a sua criação foi um discurso proferido n’A Voz do Operário, por Amílcar Ramada Curto. No dia 10 de Maio, daquele ano de 1931.
Ilusão efémera
Rapidamente se percebeu, porém, que não haveria eleições.
No final de Agosto, forças da oposição levantaram-se numa insurreição armada, em Lisboa. Numa tentativa para derrubar a ditadura. E só foram derrotadas à custa de duros combates, em vários pontos da cidade.
Enfrentaram a repressão ditatorial. Além de mortos e feridos, centenas de pessoas foram presas. Um dos encarcerados foi o professor Simões Raposo, que era o secretário-geral da Aliança Republicana-Socialista. O qual seria, rapidamente, deportado para a ilha de Timor.
Dois anos depois, o poder militar transformou-se num regime de tipo fascista – o chamado “Estado Novo”, sob a liderança de Salazar.
Resistentes antifascistas
Mas alguma coisa ficou, daquela Aliança de 1931. Alguns dos seus dirigentes estiveram depois, durante décadas, na linha da frente de outros movimentos da oposição à ditadura.
Nomes como Mário de Azevedo Gomes, presidente da comissão central do MUD (Movimento de Unidade Democrática), em 1945. Ou Norton de Matos, candidato da oposição às pseudo-eleições presidenciais que a ditadura encenou, em 1949.
Ramada Curto, já com a saúde debilitada, ainda veio a fazer parte da comissão nacional da candidatura de Humberto Delgado, em 1958.
Pela direção da Aliança Republicana-Socialista passaram também algumas figuras marcantes na história d’A Voz do Operário. Como o professor Simões Raposo, que, no regresso da deportação, aqui assumiu a direção escolar. Ou o poeta Alfredo Guisado, que veio a ser presidente da assembleia geral desta coletividade.
Dirigente socialista
Mas, além de opositor à ditadura, quem foi Amílcar Ramada Curto?
No país do seu tempo, salientou-se como um dos mais célebres advogados e autores de teatro. O escritor Urbano Tavares Rodrigues, diria mesmo que, nessas áreas, Ramada Curto foi “uma das figuras mais brilhantes” do século XX português [DL, 19/10/1961, p.1].
Mas igualmente se destacou pela sua ação política.
Em 1907, Ramada Curto foi um dos líderes da maior vaga de contestação estudantil contra o velho regime da monarquia. Na revolução de 1910, “organizou o comité académico e civil, em Coimbra, que tinha a direção da organização revolucionária do centro do país e colaborava com o comité militar” que derrubou a monarquia [Eduardo Lemos (1911), p.34].
Foi deputado e ministro da 1ª República. No período da 1ª Guerra Mundial, esteve na oposição às breves ditaduras do general Pimenta de Castro e do coronel Sidónio Pais. Nesta última, chegou mesmo a passar à clandestinidade e a ser preso político (no presídio militar de Santarém).
Ligou-se depois ao movimento operário, aderindo ao antigo Partido Socialista Português. De cujo conselho central veio a ser presidente.
Proferiu conferências sobre marxismo, na Universidade Popular Portuguesa e na Associação Recreativa Operária Beatense. Foi advogado sindical de vários setores profissionais, como os trabalhadores dos Correios, os estivadores e o pessoal da Carris de Lisboa. E ainda foi advogado d’A Voz do Operário – que fez questão de servir gratuitamente.
Teatro
Segundo Urbano Tavares Rodrigues, o teatro de Ramada Curto era “dialéctico, dramático, polémico”. Ressumava de “verve e ironia”. E “traduzia os conflitos de classes que a era da industrialização viu surgir e crescer” [ibidem].
Um dos seus maiores sucessos foi a peça “A Recompensa”. Onde a personagem principal é uma antiga operária têxtil que assume a direção da fábrica. Foi interpretada por duas grandes atrizes: Amélia Rey Colaço, quando estreou, em 1938, no Teatro Nacional D. Maria II. E por Eunice Munoz, em 1964, quando foi adaptada à televisão.
Foi uma peça encenada durante anos, por diversos grupos amadores, em coletividades de diferentes pontos do país. Por exemplo, em 1945, na «Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António Aguiar», de Évora. Ou, em 1946, no «Clube União Sporting», de Alcanhões.
Também foi exibida na esplanada d’A Voz do Operário, em 1939. Numa “feira artística” ao ar livre.
