Como se relacionou com a Voz do Operário?
Custódia Galego – Como mãe e avó. Vivíamos em Benfica, a escola d’ A Voz do Operário não estava dentro da área de residência, mas tinha-a como referência, pelo modelo educativo. Não consegui pôr os meus filhos nesta escola, mas consegui pôr os netos este ano e estou muito feliz.
José Raposo – Conheço a instituição desde sempre, é uma referência. Estive pela primeira vez n’ A Voz pelo Teatro ADHOC, com uma peça infantil de Natal, em 1982. Agora, venho buscar os meus netos que estão na escola há 3 anos.
O que encontra de diferente nesta escola?
CG – No ensino tradicional, ir à escola é como ir trabalhar, n’ A Voz não. Aprende-se pelo prazer de satisfazer a curiosidade. Esta escola forma adultos curiosos e com vontade de aprender. Temos de criar cidadãos curiosos. E, por isso, espero que esta escola torne os meus meninos seres humanos curiosos.
JR – A Voz é uma escola de liberdade, tenho aqui dois netos, foi o meu filho que teve a iniciativa de os inscrever, mas fiquei muito contente.
E como é ser Madrinha e Padrinho da Marcha de miúdos d’ A Voz do Operário?
CG – É um orgulho e estou muito agradecida pelo convite d’ A Voz do Operário.
JR – Esta marcha d’ A Voz tem a particularidade maravilhosa de ser constituída por crianças e não ser competitiva e, por isso, é o melhor convite que tive.
E como vê esta tradição das marchas populares?
CG – É uma cultura regional, uma tradição lisboeta. O sentido de comunidade nos bairros, em Lisboa, era muito grande. Espero que esta tradição revitalize esse espírito de comunidade, a necessidade de partilharem o mesmo espaço geográfico, privilegiando o comércio do bairro. Digo-o muitas vezes: usem os vizinhos, usem-se uns aos outros nos momentos em que precisam de ajuda, partilhem o transporte para o trabalho, para levar as crianças à escola. E que este tipo de cultura faça regressar o espírito dessa comunidade de partilha.
JR – É uma manifestação popular que é muito importante e adoro fazer parte dela.
O que estão a fazer agora?
CG – Acabei a “Médica” em março, agora, até junho, julho ou outubro não vou fazer mais televisão, porque vou fazer um interregno grande de que preciso para me inspirar. É que o trabalho de televisão é muito intenso. Levantamo-nos, começamos a trabalhar cedo e, depois, lá para as sete da tarde, chegamos a casa, jantamos qualquer coisa e antes de descansar temos de decorar as cenas todas para o dia seguinte. Vejo a minha família e pouco mais. Não temos vida social. Para sermos produtivos, temos de ter vida, de nos inspirar no comportamento humano, é essa minha ferramenta de trabalho, porque a técnica aprende-se na escola.
JF – Estou a fazer uma peça já há um ano, mas na fase das digressões. De quinta a domingo estou sempre fora, numa cidade diferente e segunda, terça e quarta estou a gravar uma novela. É uma fábrica, mas também são as novelas que nos pagam as nossas vidas e que dão trabalho a centenas e centenas de pessoas, por isso, ainda bem que existe.
A Marcha Infantil d’ A Voz do Operário tem como tema a “paz”. Pode-se dizer que é falar de “paz” em tempos de guerra…
CG – Guerra, e em vários campos: a dos poderes económicos, das diferenças, das culturas, da religião. Sempre pensei que esse momento já fosse passado, que todos tivéssemos os condimentos, para que isto não acontecesse nesta altura da civilização. É por isso que estas escolas são importantes. Se a educação fizer com que as pessoas aceitem as diferenças, combatam o racismo, aceitem todos como são, tudo será diferente.
JR – Foi um tema muito bem escolhido. É sempre importante falar de paz, mas, nesta altura, em que há uma corrida às armas para alimentar essa indústria horrível, é ainda mais oportuno. É importante consciencializar os miúdos e, na história da humanidade, talvez seja este o momento de falar de paz, até pelo perigo da guerra nuclear.
A Câmara definiu como tema a Alma de Lisboa, mas falar hoje da alma de Lisboa parece mais falar de alma penada, não acha?
CG – Mas é por isso que este tipo de festa, que tem a ver com as comunidades mais pequeninas de cada bairro que compõem a grande comunidade que é a urbe, pode ter esse efeito de fazer renascer a alma de Lisboa.
JR – Deixamos de nos identificar com o bairro. Comecei no Teatro no início dos anos 80 e fui logo parar ao Parque Mayer, que era uma fotografia viva da alma bairrista de Lisboa. Era um pátio no coração da cidade, onde, além dos quatro teatros, havia uma comunidade que ali vivia, com restaurantes, cafés, uma livraria muito bonita, logo à entrada e que foi destruída, casa de jogos, barbearia, era uma aldeola no meio da grande cidade. Se esta gente, que só pensa no dinheiro rápido e construir bancos e hotéis, pensasse melhor, saberia que o Parque Mayer era um sítio maravilhoso até para o turismo. E, a sua destruição, foi um dos momentos de descaraterização da cidade. Depois foi Alfama, Mouraria, Bairro Alto, fecharam casas de fado que caraterizavam a nossa cultura lisboeta.
E o arraial?
CG – Está muito comercial. No meu bairro aumentaram o número de arraiais. Na Graça, os pátios são usados pela comunidade, mas depois os turistas enchem os arraiais e apagam um pouco esse espírito bairrista. Mas, ainda bem que continuam as festas populares, porque é sinal de que o espírito, a alma, não está completamente perdida e pode ser que o sentido de comunidade regresse.
JR – A festa está muito ligada à cidade dos bairros e, por isso, é ainda um ex-libris, mostra alguma alma lisboeta. Bem sei que as Marchas começaram só em 1932, de qualquer forma, trouxeram para a cidade uma festa que ela não tinha e, portanto, espero que nunca acabe e que faça renascer a alma de Lisboa.