Em fevereiro, os alunos, professores e restantes funcionários da Escola Básica Natália Correia, em Sapadores, foram transferidos para um terceiro piso da Escola Secundária D. Luísa de Gusmão, do mesmo agrupamento. O encerramento do equipamento foi decidido, então, depois de uma vistoria de técnicos da câmara de Lisboa, da junta de freguesia, dos bombeiros e da proteção civil municipal que, depois de confirmarem “fissuras e rachas” nas paredes, recomendaram, de forma preventiva, a transferência. De acordo com Vasco Gonçalves, diretor do Agrupamento de Escolas Nuno Gonçalves, à agência Lusa, a perspetiva era de que a situação ficaria resolvida “até ao fim do ano letivo”.
A menos de um mês do fim das atividades escolares, a situação ainda é incerta para os pais das 90 crianças que foram obrigadas a mudar de estabelecimento de ensino e vão passar a ter aulas em pré-fabricados no exterior, devido aos exames nacionais. De acordo com Nuno Bettencourt, pai de uma aluna do 2.º ano, vários encarregados de educação reagiram mal à mudança e, sobretudo, às razões que puseram o edifício em perigo. A construção de um condomínio de luxo de raiz, a paredes meias com a escola, já tinha deixado este pai em alerta. Três meses antes dos sinais de perigo, Nuno Bettencourt pedira já uma fiscalização preventiva à câmara municipal porque considerava que aquela construção iria ter “um impacto muito negativo” no edificado da escola. “Era uma tragédia que já estava anunciada”, considera, acrescentando que alertou também a junta de freguesia e o próprio agrupamento. Este encarregado de educação tem receio de que o condomínio de luxo em construção tenha degradado também as fundações do edifício.
“Podiam ter sido desencadeados uma série de mecanismos que a câmara tinha ao dispor, porque o edifício é da câmara, é da responsabilidade da câmara e nenhum deles foi acionado. Ou seja, estas questões foram colocadas ao presidente da câmara de Lisboa, ao pelouro da Educação e ao do Urbanismo e, até à data, posso dizer que nenhuma das ferramentas que tinham ao dispor, desde a suspensão da licença, cancelar a licença, fazer um embargo à obra, até que a situação fosse resolvida na escola e depois dar continuidade à construção do empreendimento em questão, foi tudo passado ao lado”, afirma.
Deixando preocupações sobre possíveis riscos para o Pavilhão Municipal Manuel Castelo Branco, ao lado, não compreende como é que foi dada a licença de construção do empreendimento, uma vez que, defende, a carta de risco municipal “diz que no terreno em questão, e para a carga que o prédio tem, iria causar danos muito substanciais nos edificados laterais”. Agora, espera, como outros pais, que as crianças regressem o mais rapidamente possível para a Escola Básica Natália Correia e que o responsável da obra proceda à resolução dos problemas na estrutura deste equipamento escolar como acordado.
As muitas obras de construção e reforma de edifícios nesta zona de Lisboa não passam despercebidos à população local. Contudo, este dinamismo na indústria da construção não agrada a todos. Morador da Graça, Nuno Bettencourt sente-se cada vez mais incomodado com a quantidade de empreendimentos a serem construídos, sobretudo hotéis. “Nós não precisamos disto. Não precisamos. Precisamos de habitação acessível para as pessoas”. Nesse sentido, confessa que tem medo que haja pressão para que a escola deixe de existir ao lado do condomínio privado. “É uma luta muito grande que nós vamos ter pela frente”, sublinha. Sem associação de pais, a transferência dos alunos animou alguns dos encarregados de educação a organizarem-se na defesa, não só dos seus filhos, mas também de um património “que formou gerações”.