Se não há marchas sem marchantes e não há marchas sem música, muito menos haverá marchas sem fatos, arcos e adereços. Por trás do que se vê durante aquele que é o dia mais esperado do ano nos bairros de Lisboa, há, naturalmente, um intenso trabalho dos marchantes. São eles os protagonistas da festa. Mas há também um meticuloso trabalho na sombra de mulheres e homens que se dedicam a criar e a executar músicas, assim como a desenhar e a produzir os fatos que vão ser vistos por todos naquela noite.
Ricardo Dias e Tiago Torres da Silva são os autores das letras que vão ser cantadas pelas meninas e meninos que vão levar as cores da instituição às Marchas Populares e a música é da responsabilidade de Carlos Alberto Moniz e de Carlos Alberto Vidal, mais conhecido como Avô Cantigas. À frente destas crianças vai estar, uma vez mais, a ensaiadora Sofia Cruz, que para além de dar apoio na costura, é quem coordena os ensaios até ao momento mais esperado.
O figurino da Marcha Infantil deste ano é, uma vez mais, da autoria de Nuno Lopes, mas as mãos que cortam e cosem o tecido estão numa sala dentro d’A Voz do Operário que é um autêntico atelier de costura. Na parede, estão os desenhos de todos os figurinos desde a primeira vez que as crianças desfilaram na Avenida da Liberdade. Há várias máquinas de costura, muito tecido, tesouras e lápis.
Inês Santos é já uma veterana com 25 anos nestas lides. Antiga operária têxtil na Triumph, fábrica já encerrada, brinca com os prazos. “Hoje entrou aí uma que disse assim: ‘Tu estás com boa cara, deves ter tudo adiantado’. Mas não está e ri-se. Até à primeira apresentação no Pavilhão Atlântico, no Parque das Nações, a 30 de maio, ainda falta, mas o trabalho é muito. “O ideal é uma semana antes termos tudo pronto”, explica. “Este ano, o tema é tradições de Lisboa e levamos também o nosso próprio tema que é a paz, e os nossos arcos vão levar uma pomba”. Quando começou a costurar os fatos da Marcha Infantil, Inês Santos disse que estava disponível para coser mas não para cortar. Questionada sobre se continua sem cortar, sorri: “Eu continuo é a ter de cortar!” Explica que a confeção dos fatos subiu um degrau muito grande quando começaram a trabalhar com figurinistas de renome, o que também a preocupa. “Porque eles dão o nome ao figurino, portanto, nós queremos que olhem para o figurino e para a roupa e que se identifiquem. E a responsabilidade é grande e eu estou sempre com medo. Todos os anos é a mesma coisa.”
Do outro lado, Ana Marques faz os saiotes numa mesa de costura. Com vários anos a costurar para A Voz do Operário, diz que também gosta do fato deste ano, com o verde-alface a marcar as cores de 2025. Já reformada, vem todas as manhãs e ocupa metade do seu dia com a arte da confeção. Do outro lado, Inês diz que cada marcha tem o seu valor, cada ano uma dificuldade diferente. “Mas no final é o que eu digo: ver as crianças bem é o que nós queremos”.