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Brigadas Voluntárias nas inundações de Valência

Passaram mais de 3 meses das cheias que devastaram vários municípios de l’Horta Sud e distritos da cidade de Valência, deixando um rasto de destruição humana, social, económica e ambiental. O fenómeno meteorológico, que matou mais de 220 pessoas no passado dia 29 de Outubro, deixou de aparecer nos meios de comunicação. Mas os seus efeitos ainda se fazem sentir fortemente no terreno.

As inundações causadas pela DANA (Depresión Aislada en Niveles Altos) – termo científico em castelhano -, provocaram perdas económicas que ultrapassam os 17 mil milhões de euros.

Este fenómeno climático extremo, agravado pelas alterações climáticas e ampliado pela má gestão política regional, é o décimo evento mais oneroso do ano do ponto de vista económico e o quarto com mais fatalidades.

O que é a DANA e a sua conexão com o aquecimento global

A DANA é um fenómeno extremo de precipitação provocado por uma depressão isolada em níveis altos, resultante da colisão de uma massa de ar polar com o ar quente e húmido, geralmente do mar Mediterrâneo.

Foi a pior DANA do século nesta região. De acordo com a Agência Estatal de Meteorologia de Espanha (Aemet), a 29 de Outubro de 2024 caiu, na região de Valência, a chuva equivalente a um ano em apenas oito horas. Nesse periodo, foram registadas precipitações superiores a 500 mm, sendo que no caso de Turís atingiram os 772 mm com intensidades de 185 mm/h, as mais elevadas desde 1966.

A larga maioria da comunidade científica considera que estas alterações climáticas estão diretamente ligadas ao aumento de emissões de combustíveis fósseis que aquecem o clima. Por exemplo, o mar Mediterrâneo está a aquecer 20% mais depressa do que a média global, num círculo vicioso que aumentará com o tempo, porque quanto mais quente estiver o mar, mais vapor circula sobre ele, o que faz com que estes fenómenos se tornem mais comuns e mais extremos.

Gestão desastrosa por parte do Governo Regional do PP apoiado pela extrema direita

Este desastre ambiental deixou em evidência a brutal incompetência do governo regional do PP e a consequência de décadas de políticas neoliberais desenfreadas na região.

A gestão das inundações por parte de Carlos Mazón, presidente da Generalidad Valenciana, está a ser duramente criticada por grande parte da população. Centenas de milhares de valencianos têm saído à rua nos últimos meses a pedir a sua demissão e prisão.

Apesar dos sucessivos alertas por parte da AEMET, Mazon não só decidiu não suspender atividades letivas e laborais, como declarou em conferência de imprensa às 13h do dia 29 de Outubro, pelo contrário, que a situação iria acalmar e a tempestade iria diminuir de intensidade.

Os alertas automáticos a avisar a população só foram enviados para os telemóveis às 20h12, quando já muitas pessoas estavam isoladas ou presas nos seus automóveis e muitas outras tinham sido arrastadas pelas águas.

Outra polémica diz respeito ao encerramento da Unidade Valenciana de Emergências por parte do governo de Carlos Mazón, 4 meses antes. Esta Unidade tinha como competência garantir a rápida intervenção neste tipo de casos.

Como cereja no topo do bolo, Mazón elegeu um especialista em “touradas” como diretor-geral do Interior no mesmo dia da DANA, função que tem a seu cargo a polícia regional, a Proteção Civil e a coordenação das forças policiais locais.

Mas o presidente não está só no centro das atenções pela sua gestão desastrosa e ausência no fatídico dia 29 de Outubro, mas também pelos contratos multimilionários – 34 milhões de euros no total – que concedeu para a reconstrução após o DANA a sete empresas ligadas a casos de corrupção do PP.

Brigadas Voluntárias organizadas pelo Partido Comunista Valenciano

“Estivemos 3 dias sozinhos, sem qualquer tipo de ajuda. Sentimo-nos completamente abandonados” – Conta-nos uma moradora do centro de Paiporta, zona de Valência onde houve mais vítimas provocadas pelas inundações.

“Ninguém nos disse nada, os alertas de aviso só chegaram às 20h e nós já tínhamos água pelo pescoço.”, relata-nos Tere, uma mulher de 72 anos, ainda visivelmente abalada com o que viveu nesse dia. Estas são apenas algumas das dezenas histórias que ouvimos durante os 4 dias em que estive em Paiporta. Uma cidade que se encontra ainda parcialmente destruída e a necessitar de profundos trabalhos de limpeza e reconstrução.

Só para termos uma noção da calamidade, já foram retiradas cerca de 500 milhões de toneladas de resíduos e cerca de 90 mil automóveis das zonas afectadas. As inundações atingiram uma centena de municípios valencianos e, três meses depois, ainda existem cerca de 28 que permanecem no nível 2 de emergência.

Durante 4 dias tive a oportunidade de participar nas Brigadas Voluntárias, uma das únicas organizações que neste momento estão a coordenar voluntários no terreno. Esta entidade, montada pelo Partido Comunista do País Valenciano, é também responsável por fornecer alimentos a 300 pessoas diariamente e a 500 durante os fins de semana. É no número 5 da rua Josep Iturbi, em Paiporta, onde se situa a sede das Brigadas do PCPV. Aí podemos encontrar vários militantes e voluntários a arrumar os produtos doados e a coordenar os trabalhos. O nível de organização impressiona. Os voluntários, vindos de todo o Estado Espanhol, são divididos em equipas para ajudar na limpeza de destroços e reconstrução das casas mais afetadas da zona. “Existem ainda cerca de 200 garagens atoladas de lama”, conta-nos Raquel Rubio, do PCPV, e coordenadora das Brigadas Voluntárias.

Estas brigadas surgiram do abandono do governo regional e do colapso das instituições. “Nos primeiros dias éramos muitos voluntários, mas não havia qualquer tipo de coordenação.” diz-nos Ioana, uma estudante de Pamplona que ajuda a gerir o ponto de entrega de alimentos e a coordenar voluntários.

“Em novembro o governo regional deixou de levar voluntários para as zonas afectadas, então decidimos organizar-nos sozinhos através de grupos de whatsapp, havia ainda muito por fazer.”, conta-nos Vanesa, uma asturiana que está em Paiporta há mais de 1 mês a trabalhar como voluntária. “Depois fomos contactados por militantes do PCPV e agora fazemos parte das brigadas voluntárias.”

O nível de descoordenação governamental é tão grande que os militares, que tinham sido enviados para ajudar nas limpezas, dirigiram-se à sede das brigadas para saberem o que tinham de fazer.

“Isto ainda vai demorar largos meses e muita gente não vai recuperar”, diz-nos o secretário geral do PCPV, Javier Parra. “Estamos em contacto com voluntários em Catarroja e Massanassa para ver se podemos organizar aí outras brigadas.”

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