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Migração climática: Estratégia de adaptação e uma questão de justiça social

A cada dia que passa são mais evidentes os impactos devastadores das alterações climáticas. Entre as muitas consequências globais, têm vindo a contribuir para um aumento crescente do número de desalojados e pessoas migrantes.

A Organização Internacional para as Migrações (2022) estima que na última década cerca de 21.6 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar as suas casas e locais de residência devido a tempestades, cheias, incêndios, secas, ondas de calor ou outros eventos climáticos. As projeções apontam para uma tendência crescente destes números, com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) a prever que até 2050 mais de 1,2 mil milhões de pessoas serão desalojadas devido a eventos relacionados com o clima.

Quando falamos em migrantes climáticos referimo-nos não só àqueles que decidem ou são forçados a deixar as suas casas devido a eventos climáticos inesperados (ex., cheias, ciclones), mas também a mudanças ambientais progressivas (ex., seca prolongada, desertificação). Nesta definição, inclui-se quer os migrantes temporários, quer os permanentes. A maior parte das pessoas decide migrar dentro do seu próprio país, mas são também muitos os que se deslocam para outros países e continentes. Assim, urge olharmos para a migração climática como uma questão de justiça social, uma vez que são sobretudo as pessoas e comunidades mais pobres e marginalizadas que se movem devido às alterações climáticas. Paradoxalmente, é nos países menos responsáveis pelas alterações climáticas, nomeadamente no Sul Global, que mais frequentemente as pessoas são forçadas a deixar as suas casas e locais de residência.

Consideremos Moçambique como exemplo. Em 2019, Moçambique foi afetado por dois ciclones – Idai and Kenneth – que levaram ao desalojamento de mais de 130.000 pessoas. Apenas dois anos depois, em Janeiro de 2021, o ciclone Eloise desalojou mais de 100.000 pessoas. Para além disso, o país tem sofrido secas intensas e consequente pobreza, e enfrenta um grave conflito político e militar desde 2017. Moçambique ilustra bem a confluência de crises e fatores sociais, políticos e ambientais que devem ser considerados quando falamos de migração climática. O apoio e suporte dos países do Norte Global, por exemplo através de fundos de perdas e danos do clima, são fundamentais para criar condições para que as pessoas e comunidades afetadas possam migrar – ou que tenham as condições para ficar nas suas localidades – com justiça e dignidade.

Em Portugal, e bem recentemente, também assistimos a um tipo de mobilidade relacionada com o clima. Os graves incêndios na ilha da Madeira em Agosto deste ano levaram ao desalojamento de 160 pessoas. Dados recentes do Instituto de Recursos Mundial (2024) sugerem que as alterações climáticas são um dos principais fatores que explicam o aumento e a intensidade dos incêndios florestais. As ondas de calor cada vez mais frequentes, o aumento global das temperaturas e as paisagens cada vez mais secas estão a criar as condições perfeitas para incêndios mais frequentes e intensos. Por sua vez, os incêndios tendem a aumentar as emissões de gases de efeitos de estufa, contribuindo assim para o aquecimento global. No futuro, é muito provável que sejam cada vez mais frequentes os eventos em Portugal que levam ao desalojamento temporário, e até mesmo permanente, de comunidades devido a incêndios ou a outros eventos relacionados ou amplificados pelas alterações climáticas.

Faltam medidas que ajudem a prevenir e a preparar as pessoas, comunidades e países para a mobilidade climática. São também praticamente inexistentes as medidas orientadas para a inclusão e integração daqueles que migram devido ao clima, sejam eles migrantes internos ou internacionais. Em Portugal, e à semelhança do que tem acontecido internacionalmente, tem havido alguma discussão no sentido de se criar o estatuto de refugiado climático. No entanto, reduzir a questão da migração climática a este estatuto, pode levar à exclusão de determinados grupos de pessoas – nomeadamente os migrantes mais pobres – que se movem devido a um conjunto de fatores. Voltando ao exemplo de Moçambique, é difícil isolarmos as condições sociais e políticas das condições ambientais que levam milhares de Moçambicanos a moverem-se dentro e para fora do seu país (por exemplo para a África do Sul e Portugal). Apesar de ser cada vez mais consensual o impacto das alterações climáticas na decisão de migrar ou não migrar, é a interação e a confluência entre vários fatores sociais, políticos e ambientais que explicam a migração climática. Precisamos de medidas mais inclusivas e solidárias que reconheçam a multiplicidade de fatores que afetam as migrações e que considerem a migração climática como um direito e uma questão de justiça social.

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