Entrevista

Tiago Oliveira

“Os trabalhadores são a parte fundamental do bom que existe nas nossas vidas”

Tiago Oliveira, acaba de ser eleito, em congresso, secretário-geral da maior central sindical do país. Com origens operárias e uma vasta experiência na organização sindical, aceita o desafio com o peso da responsabilidade que lhe está inerente. Nesta entrevista, faz o diagnóstico da situação política e aponta as principais linhas de acção. Afirma que a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril passa essencialmente pela “mobilização dos trabalhadores para que haja nas ruas uma grande dimensão de massas na afirmação dos valores de Abril.”

Tiago, tem origens operárias? Fale-nos um pouco do seu percurso pessoal e sindical.

Entrei para o mundo do trabalho muito cedo, com 16 anos. Na altura para ajudar a nível familiar. Fui para uma empresa de carpintaria, estive lá uns meses. Entretanto saio, e entro para uma empresa de quadros elétricos industriais, para ajudante de pintor. Também fico uns meses. Depois surge a oportunidade de entrar para um curso de formação profissional de eletromecânica. Tinha acabado de tirar o 9º ano, e isto era na perspetiva de conseguir completar depois o 12º.

Entretanto surge a hipótese de entrar para o AutoSueco, que estavam a pedir aprendizes de mecânico. Fui fazer os testes. Ajudou muito o passado que tinha com o meu pai, que era serralheiro. Portanto quando fui fazer os exames, já conhecia as ferramentas todas que eles me apresentaram, já sabia os procedimentos e consigo entrar. Isto em 98, tinha eu 17 anos.

A AutoSueco, na altura, era das empresas do ramo automóvel com maior estrutura sindical. Quem entrava lá não tinha hipótese de não ter esse primeiro contacto.

Há aqui um momento que é importante. Quando entrei para a AutoSueco, entrámos três, com contrato de seis meses, renovável por três vezes. No final da renovação, a empresa pretendia despedir um de nós. Só que faz a carta de cessação de contrato fora de prazo. E o sindicato aborda a empresa a dizer “este despedimento é ilegal, queiram repor a legalidade, o trabalhador não pode ser despedido”. E o Bruno – chamava-se Bruno – fica nos quadros da empresa por força da intervenção do sindicato. Nós tínhamos na altura 17 anos, isto para nós teve um impacto tremendo.

Depois vou para a tropa, em 99. Regresso em 2000 à empresa. Penso que foi em 2003 que fui eleito delegado sindical. Foi um processo normal, plenários, ação reivindicativa. Grandes lutas que fizemos lá, é uma empresa com raízes de luta. E em 2006, integro a tempo inteiro o sindicato dos metalúrgicos. Passado um tempo, entro para a União de Sindicatos do Porto, como dirigente. Na altura o coordenador era o João Torres, e eu substituo-o, em 2014.

A partir daí estive na coordenação da União, entro para o Conselho Nacional da CGTP e para a sua Comissão Executiva. E os camaradas… que ainda hão-de perceber o erro que cometeram [risos] decidiram que eu teria condições para assumir a tarefa que me atribuíram agora.

O compromisso com a CGTP é um compromisso muito grande

E que significado é que tem isso para si?

Uma responsabilidade enorme. Um receio enorme de falhar com aqueles que apostaram em mim, porque o compromisso com a CGTP é um compromisso muito grande.

Mas deixe-me dizer, aquilo que aqui nos satisfaz como pessoas não é a procura de atingir qualquer tipo de cargo. A gente está num cargo porque alguém decidiu que a gente tem de assumir aquela tarefa. O que mais nos satisfaz, pelo trabalho que fazemos, é a intervenção diária nos locais de trabalho. Por exemplo, quando me sento num plenário com os trabalhadores da minha empresa, que no dia do Congresso estiveram em greve. Falar com os trabalhadores, ouvir os seus problemas, construir a unidade, o sentido de coletivo, o sentimento de que é possível chegar mais longe nas conquistas e quando a gente consegue atingir os objetivos, fruto desta ação… é isto que nos completa e que nos faz sentir bem. Não é atribuição de qualquer posto.

Quais é que diria que são as principais prioridades para o mandato?

Houve uma preparação muito cuidada deste Congresso, no que diz respeito à discussão com os trabalhadores nos locais de trabalho, nas direções dos sindicatos, nas direções das federações, das uniões. E essa preparação permitiu que o nível de intervenções que tivemos fosse de uma particular elevação no que diz respeito ao conhecimento dos problemas que existem nos locais de trabalho.

O que é que saltou mais? Que existe uma completa desregulação, um completo afastamento, um completo ataque a todos os níveis no mundo do trabalho.

70% dos vínculos assinados, neste momento, são vínculos de trabalho precário. Isto reflete a dimensão de uma política que tem como objetivo concreto fragilizar as relações de trabalho.

Não há nada em concreto que a gente possa sinalizar que não afete outras áreas das nossas vidas. A questão do mês ter dias a mais para o salário que temos; a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores; a desregulação dos horários de trabalho, com esta tentativa de normalizar o trabalho aos fins de semana, aos dias de feriados; a implementação de bancos de horas, de adaptabilidades, a completa desregulação entre vida pessoal e familiar com a vida do trabalho – são coisas que vieram profundamente ao nosso Congresso. A precariedade… 70% dos vínculos assinados, neste momento, são vínculos de trabalho precário. Isto reflete a dimensão de uma política que tem como objetivo concreto fragilizar as relações de trabalho. Basta ir a qualquer local de trabalho para sentir que um trabalhador com um vínculo de trabalho precário tem muitas mais dificuldades de organização, de se fazer ouvir, de sentir o espírito de unidade que um trabalhador que tem estabilidade contratual, estabilidade na sua vida.

Por isso, quais são as principais linhas orientadoras para o futuro? Uma luta geral em torno de romper com uma política de anos de desvalorização dos trabalhadores.

É fruto do nosso trabalho que nada nos falta, a questão da pandemia demonstrou isso. Não foi preciso estar nenhum patrão no posto de trabalho. Aquilo que não pôde faltar foram os caixas de supermercado, os repositores de supermercado, os trabalhadores da indústria de conservas. Isto demonstrou que são os trabalhadores a parte fundamental na construção de tudo o que de bom existe nas nossas vidas.

Quais são as principais barreiras, hoje em dia, que enfrenta o sindicalismo nos locais de trabalho?

São várias. A começar pela questão da precariedade laboral, que estávamos a falar, mas também por uma linha contínua de tentativa da individualização daquilo que são os princípios de quem, como seres humanos, somos.

Num debate com uma associação empresarial, há pouco tempo, o representante da associação empresarial dizia que hoje as relações de trabalho são muito melhores porque permitem ao trabalhador negociar o seu contrato de trabalho. Nada mais falso que isto. A gente percebe quem é a parte mais fraca nesse tipo de negociação, sabe quem que é que precisa do posto de trabalho. É necessário desconstruir esta ideia das relações individuais de trabalho.

Há quem veja o sindicato como uma espécie de prestador de serviços. Também há quem diga que as ordens profissionais podem substituir o papel dos sindicatos.

Compete-nos a nós, sempre que chegar um trabalhador à nossa beira, não assumir o sindicato exatamente como um prestador de serviços. Por exemplo, quando um trabalhador se dirige ao sindicato com um problema, o dirigente sindical tem a obrigação de o escutar, e não encaminhar esse problema para qualquer tipo de solução jurídica sem antes perceber se não existe uma solução sindical. Porque o problema daquele trabalhador, que para ele é um problema pessoal, pode ser um problema coletivo para muitos trabalhadores daquele local de trabalho.

Relativamente às ordens, a realidade vai desconstruir essa ideia, até por aquilo que tem sido o papel de algumas no que diz respeito a posicionarem-se do lado dos trabalhadores. As ordens têm uma função, os sindicatos têm outra. Por exemplo, os arquitetos fundaram há ano e meio, dois anos, o seu próprio sindicato, o Sintarq, que está a ter uma evolução muito positiva, já com uma forte organização. Estiveram presentes no Congresso, com uma intervenção fantástica.

Apesar da maioria absoluta do PS, entrámos num quadro de grande instabilidade política e que se pode agravar ainda mais. Há agora eleições. Como é que olha para a atual situação política?

Na intervenção de encerramento do Congresso, a leitura que se tentou passar foi a necessidade de não contextualizar só no momento atual, mas no que tem sido o seguimento de mais de 40 anos de política que nos tem penalizado, e muito, enquanto trabalhadores, reformados, pensionistas e jovens. Há uma coisa que os trabalhadores têm que perceber: qualquer problema que encontram diariamente no seu local de trabalho, quando vão ao Serviço Nacional de Saúde e vêem que não há capacidade de resposta, ou que a Escola não tem capacidade de resposta, ou quando se escuta sobre a insustentabilidade da Segurança Social, têm de perceber que tudo isto vem de decisões políticas. Decisões políticas que não começaram agora, têm dezenas de anos e nos conduzem hoje a uma degradação das condições de vida e de trabalho.

[O PS] Optou por uma política de contas certas à custa dos trabalhadores e dos pensionistas

Demonstrativo disto é o processo de 2015. Vínhamos de um governo do PSD/CDS com orientações específicas no processo da Troika, de degradação das condições de vida e de trabalho. A inversão de políticas, só possível no quadro político que se encontrou em 2015, fruto da correlação de forças na Assembleia da República, com o Partido Comunista Português, o Bloco de Esquerda e os Verdes, permitiu perceber que é possível ir mais longe. É possível recuperar direitos e o país continuar a crescer. É possível aumentar salários e o país continuar a crescer. É possível criar melhores condições de vida e trabalho, para os reformados, para os pensionistas e o país continuar a crescer.

O Partido Socialista com a maioria absoluta foi um partido que se isolou completamente daquilo que são os problemas. Não teve resposta. Optou por uma política de contas certas à custa dos trabalhadores e dos pensionistas e, portanto, criou as condições para que agora estejamos à porta das eleições no dia 10 de março.

Os trabalhadores têm que olhar para o dia 10 como um dia de luta, como se fosse qualquer outro dia, à porta da sua empresa, a lutar por melhores condições de vida, à porta do Centro de Saúde, a lutar por uma resposta melhor do Serviço Nacional de Saúde, à porta de uma escola, a lutar pelos direitos dos professores, pelo direito à educação para todos. Temos que olhar para todos estes processos e questionar: queremos uma inversão de políticas, queremos garantir melhores condições de vida e de trabalho para a grande maioria que são os trabalhadores e o povo ou queremos uma continuação de políticas?

A nível internacional estamos a viver um período de grandes turbulências. E também de rápidas mudanças, incluindo o perigo de uma guerra a uma larga escala. De que forma é que o movimento sindical pode intervir neste contexto?

Temos que continuar a trilhar este caminho de solidariedade internacionalista, discutindo a nossa posição e a nossa visão com todas as organizações a nível internacional, procurando incutir a mensagem da paz, de que é preciso encontrar mecanismos que conduzam à paz e não mecanismos que procurem intensificar os conflitos, intensificar e prolongar as guerras, porque as mesmas apenas têm como objetivo satisfazer os interesses imperialistas. Acho que é esta comunhão de visões que uma organização como a CGTP tem. E a sua importância e a sua dimensão de transmitir a outras organizações. E obviamente a discussão nos locais de trabalho.

A Revolução de Abril traduziu-se nas mais importantes conquistas laborais da nossa história e a CGTP-IN é filha desse processo revolucionário. Qual é o reflexo, hoje, dessa herança no movimento sindical?

Esta é uma Central Sindical construída da base, conquistando o seu percurso nos sindicatos. Foi uma decisão política dos trabalhadores, na altura, a de que não iríamos fundar sindicatos paralelos aos que já existiam, mas sim tomar pela força dos trabalhadores, pela força da organização, os sindicatos corporativistas, que estavam sob a alçada do Estado. E isto ainda hoje tem um impacto enorme na história da CGTP, nas raízes que constituíram esta central. Somos herdeiros dessa luta. E se hoje somos quem somos foi porque nunca abdicámos dos princípios que nos constituíram.

Estamos a discutir um conjunto de atividades em torno dos 50 anos. Mas o momento fundamental que temos pela frente é a mobilização dos trabalhadores para que haja nas ruas uma grande dimensão de massas na afirmação dos valores de Abril, principalmente no momento em que o ataque ao que foram as conquistas de Abril é enorme, àquilo que foi a luta de um povo contra o fascismo, pela conquista da democracia e de uma vida melhor. E estes 50 anos, para nós, têm que ter muito significado e temos que ter muita gente na rua no 25 de abril.

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